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Ep. 03 - A fotografia ainda importa?


 

Nesse primeiro episódio com a participação de um convidado eu trouxe o professor Doutor da Universidade Estadual de Ponta Grossa, no Paraná, para ajudar a discorrer sobre a questão: a fotografia ainda importa?



Qual a importância da fotografia?




Roteiro

Temporada: 003

Episódio: 003

Gravação: Henry Milleo

Locução: Henry Milleo

Convidado: Rafael Shoenherr



<FADE IN

ENTRA MÚSICA

MÚSICA DESCE>


Olá pessoal, sejam bem-vindos.

Esse aqui é o Arquivo Raw, um podcast para falar sobre fotografia.

Eu sou Henry Milleo, sou fotógrafo e editor de fotografia e também host dessa coisa toda aqui.


Eu consumo muita foto. Tento sempre fazer um filtro, me posicionar enquanto leitor em busca de material que tenha alguma validade e não apenas ser bombardeado com imagens e mais imagens que, na grande maioria das vezes, não agrega em nada, nem para minha vida, nem para meu trabalho, nem para minhas referências.


Mas isso, esse bombardeio sem fim de pôr do sol, prato de comida, baladas, paisagens etc., sempre me coloca essa pergunta: o que eu faço ainda importa?


E foi por isso que eu resolvi trazer esse tema aqui para um episódio.


Mas, para não responder - ou filosofar - sobre isso sozinho, eu convidei o Rafael Schoenherr, que é professor doutor do curso de jornalismo e do mestrado em jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa, para conversar e trazer uma visão mais de pesquisador sobre o assunto. Ter um quê mais acadêmico nessa questão.


E, dessa mesma forma vocês ficam agora sabendo que isso aqui é um solocast, mas que às vezes eu vou trazer alguém para bater um papo comigo aqui, ok?


Mas, antes de pular para dentro desse tema, eu preciso fazer aqueles reclames de início de episódio.


Então vamos lá. Primeiro eu quero pedir para vocês deixarem a sua indicação de tema para os próximos episódios, para seguirem o Arquivo Raw no Instagram @arquivo_raw, para compartilhar esse episódio nas suas redes - mande para aquele amigo que você acha que vai se interessar.


E também, se puderem colaborem ouvindo o episódio lá na Orelo, que é orelo.cc/arquivoraw. A Orelo paga aos produtores de conteúdo por cada episódio ouvido na plataforma deles. Não é muito, é coisa de centavos, mas no final já ajuda a manter o podcast no ar.


E, se você quiser ajudar um pouco mais, você pode enviar um pix com qualquer valor para a chave que está na descrição desse episódio, ou visitar a loja lá em henrymilleo.com.br e adquirir um dos produtos.


E é isso Introdução feita e recados dados, vamos ao episódio.



<ENCERRA MÚSICA E ENTRA VINHETA

ENCERRA VINHETA

ENTRA ENTREVISTA>



Henry Milleo

Bem, então vamos lá. Como eu disse, o episódio dessa semana é para tentar - não digo responder -, mas tentar filosofar um pouco sobre a questão: A fotografia ainda importa?


E para isso eu queria começar agradecendo ao Rafael Schoenherr por ter aceitado o convite para participar aqui desse episódio, e já pedir para ele se apresentar. Diz, Rafael: quem é você e o que você faz?


Rafael Shoenherr

Eu sou professor do curso de Jornalismo da UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa) e do Mestrado em Jornalismo. E coordeno há dez anos um projeto de extensão chamado Lente Quente, que é especializado em fotografia e cultura.


E obrigado pelo convite.


Henry Milleo

Não precisa agradecer. A porta aqui está sempre aberta.


Mas você também trabalhou - ou participou - de um projeto do Museu Campos Gerais, que é em Ponta Grossa e é ligado à Universidade Estadual. Um projeto que resgata imagens antigas de antigos estúdios fotográficos da cidade e da região, como um resguardo da memória, como memória do cotidiano da cidade.


Rafael Shoenherr

Isso. Eu trabalhei por quase quatro anos junto com o professor Niltonci Chaves, que é o diretor geral do Museu Campos Gerais, que é o Museu Universitário. E assumi a direção de acervo por três anos e meio, um pouco mais. E uma das atribuições nossas era salvaguardar de alguma forma acervos também fotográficos, incluindo de lojas tradicionais de Ponta Grossa.


Mas também nos chegava demandas da região, porque o Museu tem uma atuação local e também um alcance regional. E eu diria que entre os acervos mais valiosos do museu, considerados hoje, estão os acervos fotográficos. É um acervo grande. Quantitativamente expressivo. Então ele é muito carente de organização. Ele demanda ainda de muita pesquisa.


E é muito sugestivo para pesquisadores. O acervo do Foto Elite, por exemplo (antigo estúdio fotográfico na cidade de Ponta Grossa/PR - nota do redator).


Esse acervo ainda está sendo mensurado pelas primeiras pesquisas, mas de início a gente já estimou em mais de 250.000 negativos. Mas é o reflexo da diversidade que é um acervo fotográfico de uma loja que funcionava desde os anos 50.


E também de outras casas que foram aparecendo a seguir e algumas contemporâneas, como é o caso do Foto Carlos (estúdio de fotografia da cidade de Ponta Grossa/PR, ainda em atividade).


Então isso nos chegava por doação ou aquisição e aí a gente trabalhava sempre em ritmo colegiado. Eu, como sou jornalista, dependia - com um certo prazer - do olhar especializado dos historiadores, que é o trabalho do museu. Estudantes, professores, pesquisadores. Então, é nesse movimento em conjunto que a gente pesquisa.


Precisa ser, porque você não faz sozinho, né? A gente tem um tipo de conhecimento trabalhando com comunicação, mas quando você vai trabalhar com esse resgate histórico, você precisa seguir alguns parâmetros, que é bem da área de quem estuda.


Até do mais básico, que é a organização. Até eu começar a entender os movimentos que estão por trás daquelas imagens - isso quem dirá a manutenção. E aí, processos químicos que nos fogem. Você consegue visualizar que tem algum problema ali e que aquele material está se deteriorando. Mas nem sempre a gente tem o domínio, os recursos para retardar o máximo possível esse processo de deterioração, que é um dos objetivos de qualquer museu.


Então ele é um trabalho obrigatoriamente interdisciplinar, intergrupos. Tem que ser um mutirão coletivo, senão ele não avança.


Mas o interessante é que ali a gente visualiza - em qualquer fotografia - que a fotografia não termina nunca, porque ali são fotos e filmes de todo tipo de formato, então é a fotografia analógica, resultante de uma química que não cessa - pode estar guardado, mas a química continua pedindo atenção, continua agindo.


Henry Milleo

Então, tem essa questão da química, que é um negócio do suporte físico, do material. Mas tem a questão, que é que a gente vai falar aqui: a fotografia ainda importa? Isso levando em conta que você trabalha com o material de acervo de museu e também é coordenador do projeto Lente Quente, da UEPG - aliás, quem quiser conhecer e seguir, basta buscar lá no Instagram por @lentequente.


Rafael Shoenherr

Boa pergunta. Eu, nesse lugar aí que você bem apresentou, vou defender que ela importa. Mas isso já ajuda a começar a responder. Importa para mim que nesse momento estou nesse lugar mais da pesquisa, do fotojornalismo e da produção de extensão universitária experimental, voltada ao ensino e formação.


Daqui, de onde eu estou falando, eu te digo que o que importa realmente é contrastar com o pequeno acervo que a gente tem de produção do Lente Quente.


A gente fechou - esse ano nós fechamos 13 anos de produção - e a gente tem um arquivo digital online considerável, mas ele é pequeno e modesto se comparado ao que temos no museu.


Quando eu pude complementar essa visão, quando eu encontrei esses acervos lá no museu, em termos de volume, dimensão e dificuldade para acessar, para tornar ele disponível para análise, pesquisa, visualização, a dificuldade que é você transformar um acervo que foi pego em determinadas condições. Ele estava alojado numa uma casa fotográfica em geral nos fundos da loja. Você tornar isso disponível para o público numa exposição entre uma instância e outra, tem um longo processo.


Mas tem algo em comum aí que me permitir estabelecer uma linha de continuidade que eu acho que tem a ver com a pergunta. Eu percebi muito interesse em acervos fotográficos, então, nessa pegada da fotografia, que elucida processos históricos e que nos esclarece a dimensão histórica da sociedade, posso dizer que ela ainda importa muito, não só para quem fez, mas para quem esteve envolvido naquela cidade.


Essa repercussão a gente testou porque a gente fez uma organização parcial de acervos que a gente recebeu durante a pandemia, isso em 2020, 2021, e em 2022 nós abrimos uma exposição chamada Memórias Entrelaçadas, que tinha um pouco essa pegada. Vamos dar pistas do que se conseguiu organizar e deu uma boa repercussão ali. A parte fotográfica, que era de alguns exemplares de até onde chegou a pesquisa do Foto Elite que eram as fotos do Seo Domingos (proprietário do Foto Elite), de onde ele trabalhava, e também uma pequena amostra do Foto Carlos.


Tanto é que tem pessoas que foram à exposição especificamente para ver esses conjuntos, para ter um contato, para relembrar algumas coisas, incluindo fotógrafos que trabalharam nesses lugares ou com os fotógrafos mantenedores e proprietários desse espaço.


Muita gente conhecia o Seo Domingos, muita gente na cidade conhece o Foto Carlos, então foram lá para se identificar.


Tem um parente do Germano Koch, que é o fotógrafo criador do Foto Elite antes de passar para o Seo Domingos, e um parente dele foi até a exposição porque tinha uma câmera exposta, uma câmera de grande formato, que foi muito bem cuidada pelo Seo Domingos, e esse parente foi até a exposição para ter essa experiência.


Então partiu da fotografia, mas foi se estendendo para outros artefatos que eu acho que esse que é o rico dessa condição de acervo, dessa condição de museu e da pesquisa. Quando a fotografia vira uma coisa, porque ela é um objeto e esses objetos têm vida, então eles são coisas. É a foto, mas também é o caderno de serviço de clientes, é a câmera. São vários tipos de câmera…

E dentro disso surge muitas dúvidas que eu acho que não explicam só o passado. Algumas das dúvidas ajudam a gente a debater e a entender a fotografia atual.


Por exemplo, eu tinha dúvidas em um outro acervo, que é do Foto Tanko, que veio lá de Santo Antônio da Platina (cidade do Paraná localizada na região conhecida como Norte Pioneiro, próxima da divisa com São Paulo) e aí tinha uma caixa cheia de flash quebrado, aqueles filtros de estúdio, sabe?


Spots de estúdio, lâmpada colorida, tudo quebrado, algumas detonadas pela maneira como chegou e pela maneira como enfrentou o tempo lá na cidade deles. E eu me peguei me questionando: será que isso aqui é descarte, será que isso aqui - mesmo quebrado, uma lâmpada pequenininha, colorida, quebrada - ainda assim conta alguma coisa e tem algum valor?


Porque aí é muito diferente da condição do documento histórico, no sentido mais tradicional. É mais uma coisa, é uma invencionice tecnológica que também tem data, também teve usos. Então em alguma medida ajuda a recontar o processo.


Quando a gente conversou com o Seo Domingos para trazer o Foto Elite para o museu, aí a gente olhou para aqueles tubos, aqueles canos de PVC que ele usava como um tanque de revelação. E ele olhou assim para nós e falou: “isso aqui não interessa, né piazada? Isso aqui eu posso jogar fora”?


E nós dissemos: Isso não só interessa como a gente vai levar.


Henry Milleo

E você vê o cano de PVC que se usava como tanque de revelação, que era para revelar vários filmes ao mesmo tempo, você fazia o tanque mais comprido - E isso em uma escala comercial. Eu tenho em casa, mas é um tanquinho pequeno, que dá pra revelar dois rolos de cada vez e eu geralmente estou revelando só um. Mas cara, é a gambiarra levada ao museu.


Rafael Shoenherr

Isso, até porque daí não tinha onde guardar aquilo porque ficava exalando. Então a gente deixou em um primeiro momento próximo da reserva técnica, mas deu um dia de museu fechado e a primeira pessoa que entrou no outro dia falou assim: não tem como respirar, porque aquilo ainda estava exalando, mesmo que tentasse lavar.


E aí foi lá para o porão mesmo. Mas é uma parte do acervo. Assim como veio junto a tabelinha que ele tem com alguns escritos manuais dos tempos de revelador, fixador e alguns truques de ISO. Sabe essas gambiarras?


Henry Milleo

Aquele caderninho do mágico, de receita para mistura de químico, para mais grão, menos grão?


Rafael Shoenherr

Isso. A alquimia do processo. Isso está ali também. Que uso vai ser dado para isso aí são outros quinhentos. Mesmo que a decisão lá para frente seja pelo descarte, mas se não trouxer isso nem essa reflexão vai poder ser feita.

Isso a gente foi aprendendo no conjunto, com quem está há mais tempo nessa vida. E eu percebo que muitos museus e casas de memória têm respeitado mais essa condição. Sabe que não é só a foto em papel impressa, é também o negativo. Às vezes também não é só o negativo, é também o envelope. Ou, no caso - isso a gente aprendeu muito com a lida que a professora Patrícia Câmara tem na curadoria do Fundo Foto Bianchi.


Ela fez essa discussão muito antes da gente, daí ajudou a gente fazer agora no museu que é: não são só as chapas de vidro, a caixinha em que estava guardada a chapa de vidro também é importante e conta uma história.


Isso vai dando um sentido mais completo dp objeto. Então, voltando à pergunta se importa. Se você descarta todos esses complementos chega uma hora que aquilo não importa realmente, porque tem fotos publicadas em papel, que se você tirar os processos, os adereços, ela tem pouca importância, porque não é o tipo de foto que causa uma distinção. Nem toda foto causa uma distinção, como uma foto artística de autor. É claro que um museu de arte, o Museu de Arte Contemporânea, tem uma outra reflexão nesse sentido.


Mas, por exemplo, lá eu lidava com o acervo que chegou do Diário dos Campos, um Jornal aqui da Cidade, e que tinha 24 mil fotos, porque não era só a foto publicada que estava ali. E todas impressas em papel 10 por 15, porque o que tinha ali era o rolo todo ampliado. Não era só a foto escolhida para o jornal, Quer dizer, ali você não tem esse efeito de distinção, diferenciação: “olha que foto!” Para você chegar nesse “olha que foto!” você tem que pesquisar muito o acervo inteiro.


Mas quando você vai para os negativos e para as anotações nos envelopes, que você tem as pautas que os fotógrafos escreviam, ali você já tem uma pista para entender a rotina do fotojornalismo em Ponta Grossa, eu acho que no último momento da fotografia analógica como padrão nos jornais.


Então eu já consigo levantar questões de pesquisa, mas se eu descartar, entende esses entornos, o contexto, vai chegar uma hora que a fotografia por si não importa. Você tem que fazer as conexões. Isso eu aprendi a pensar mais na lida mesmo e sofrendo com com acervos que precisam ser organizados, que precisam ser buscados, precisam ser disponibilizados. Mas é um trabalho conjunto.


Já o acervo do Lente Quente é digital, online e a gente mantém porque toda semana a gente produz fotos novas. Então ali a tua pergunta ‘se importa’, também faz sentido, porque ali tem aquele sentido de dispersão da web.


Provavelmente se a gente chega nessa pergunta, eu acho que é legal porque esse tipo de pergunta é especulativa, especulação filosófica. Eu acho que ela revela outras coisas que estão para além dela, que é, por exemplo, nesse sentido que a gente tem de dispersão no consumo de informação.


Henry Milleo

Exato. Era essa a questão que eu ia a puxar. Porque assim, de tudo o que você falou, é claro que a fotografia importa como resguardo, como documento, como um processo de entender a sociedade, como um processo de entender a própria fotografia. Como você falou: começava com caderninhos, anotações, a caixinha do filme, o próprio filme, as anotações do fotógrafo.


Só a foto, de repente, no final, ela não interessava porque teria muito material daquele mesmo tipo, muito 3 por 4, ou muita foto de desfile, de aniversário da cidade e coisas do tipo. Que é tradicional em um foto de uma cidade do tamanho de Ponta Grossa, por exemplo.


Mas na questão de se a fotografia ainda importa… se as pessoas ainda se importam com a fotografia, entendeu?


Adianta eu fotografar? E essa questão veio para mim porque eu tenho um... Deixa eu explicar. E eu deixei para explicar depois que você respondeu, mas vamos lá.


Eu tenho um amigo que é fotógrafo e a gente conversa muito sobre fotografia. Muito. E ele é um cara bem radical, sabe? Ele fala umas coisas assim, muito na lata e depois de macerar isso um pouco na cabeça a gente acaba pensando: Ok, pode ter um certo fundamento nisso.


E ele chegou num ponto que ele está mudando de carreira, inclusive está levando a fotografia e começando uma carreira nova, diz que não vai parar de fotografar, mas não vai mais ser um fotógrafo tão comercial assim de pegar frilas e trabalhos. Ele quer fazer mais o material dele e ter a outra profissão para que é para pagar as contas.


E ele diz: “Olha, o problema é que, por exemplo, o trabalho do freela é desvalorizado, o fotógrafo ganha pouco porque a fotografia não importa mais. E ela não importa porque todo mundo fotografa, todo mundo acha que pode fazer qualquer tipo de foto com o celular.


O cara que tem uma lojinha que vende coxinha, ele mesmo faz a foto da coxinha dele e posta na rede social. E essas fotos, elas desaparecem. Então, qualquer coisa que você faça que seja importante, que seja uma foto bacana, ela acaba desaparecendo nesse mar de imagem inútil. Porque se você for ver mesmo, sei lá, 98, 99% de imagem, de foto que está no Instagram, é ruim, é muito ruim, é uma droga e não serve pra nada, entendeu?


Mas então o que é bom acaba se perdendo nisso. Diferente da época em que, sei lá, eu não ponho a culpa na tecnologia nisso, de dizer a fotografia digital acabou com tudo, mas é diferente da época em que cada pose de um negativo valia e que para você ser um fotógrafo você tinha que ter estudo, tinha que entender a câmera, entender do equipamento, do processo de revelação.


Não era uma coisa barata ou simples. As pessoas tinham máquinas caseiras, mas elas sabiam que quando precisavam de uma foto profissional, elas tinham que ir atrás de um profissional. Não se dava um jeito fotografando em casa. Então, é nesse sentido: a fotografia importa? Ela ainda é algo importante?


Eu sei que boa parte das pessoas pode até dizer que sim, até porque elas têm as redes delas e usam isso para se comunicar de uma certa forma. Mas ela importa nesse sentido de: a gente ainda precisa ter o ato de fotografar?


Rafael Shoenherr

Ou ao mesmo tempo o ato de consumir, porque essas duas pontas mudaram muito. Tem um processo de automatização que aproximou muita gente da fotografia. Isso gerou efeitos, e vem gerando. Mas isso depende do outro lado, que é de consumo, de como isso vai se colocar em circulação.


Então o importa pra quem é interessante a gente se perguntar. São tantos os usos da fotografia que se tem hoje. Se a gente fosse fazer um filtro só dos bons usos, por exemplo, do Instagram de fotografia, e que com os quais a gente se identifica e que a gente curte e que a gente faz questão de entrar todo dia e ver.


Mesmo aí a inflação é enorme. A gente vai encontrar muita gente boa que a gente não consegue ver em um dia. Eu acho que esse é um efeito que não é pequeno, que é o fato que essas fotos vão passando na timeline, seja no Twitter, seja no Instagram.


Eu acho que isso não é pequeno, tem algo da navegação aí que pode também estar participando.


Henry Milleo

Elas desaparecem, aquela foto desaparece. Você vê ela em um dia e dali a dois dias ela já não importa mais.



Rafael Shoenherr

E mesmo que ela permaneça no feed - no sentido de propagação... Por exemplo, tem colegas que falam que não usam mais o feed do Instagram, usam o stories. Porque nos stories ela tem uma propagação imediata, às vezes mais forte do que no feed, por mais que no feed ela continue e no outro desapareça.


Então eu vejo que a gente entrou em um outro imbróglio de memória, que é: de que fotos a gente vai lembrar? E esse efeito, aí sim, tá mais diluído, porque ele é mais concorrencial. A atenção está sendo mais disputada. Então eu concordo contigo e com o colega com quem você tem conversado, porque a diferenciação do trabalho fotográfico sofreu uma mudança e uma possível redução.


Não é uma distinção carregar uma câmera fotográfica, como era. Tem mais gente fazendo isso. Inclusive gente boa, gente que está começando. Outros começam e desistem. Mas também tudo isso é cíclico e eu não sei se isso continua numa linha. Por exemplo, eu não estou certo de que todas as processualidades das fotografia analógica acabaram com a chegada do digital.


Talvez tenham algumas relações, mais diluídas, que continuam ou que se aprofundaram, ou que entraram em crise. Mas, é claro, tem uma mudança de materialidade na relação com a fotografia. Um álbum de fotografia, aquele ritual. Assim como tem do outro lado o ritual que a gente gosta de assistir nos filmes e conversar com fotógrafos que pegaram isso para eles reconstituírem para a gente... o laboratório, a química e provavelmente tem algo da fotografia que só tá ali.


Às vezes a gente faz na Universidade - a gente faz questão, por mais que não tenha mais recurso para ficar brincando de laboratório - mas a gente faz uma oficina de fotos na lata, mais para criar essa ambiência de aprendizado e ali a gente percebe. Uma vez a gente fez esse exercício com o Sérgio Sakakibara, lá do Museu da Imagem e do Som de Florianópolis e ele tem essa pira de criar câmeras fotográficas com qualquer coisa. Pode ser uma lata, pode ser uma caixa, pode ser uma caixa de TV, pode ser uma caixa de sapato.


Henry Milleo

Tem o Jorge Aguiar, lá de Porto Alegre, que faz isso também.


Rafael Shoenherr

Eles são conhecidos, já fizeram atividades em comum. Porto Alegre tem uma cena forte disso também. Eu acho muito interessante esse tipo de reinvenção, porque eu acho que ajuda a gente desnaturalizar o estágio que a gente está agora da fotografia, de achar que esse é o momento definitivo. Que as pessoas vão zapear para caramba e que as fotos vão se perder.


Achar que isso é definitivo e outro achar que isso não tem uma história. Isso já tem uma história, mesmo que pequena em relação à fotografia analógica, mas tem uma trajetória. E tem relações que nos levaram a isso. E também não é o estágio definitivo. Isso é dinâmico. Eu lembro que você falou de um dos acervos, um dos primeiros acervos que me interessou.


Quando o professor Niltonci me chamou para trabalhar no museu a gente foi atrás do acervo do Foto Cineclube Vila Velha. Como muita gente falava na cidade - e eu já sabia que tinha relação forte com a universidade.


Ele estava guardado com um colega jornalista, na gráfica da universidade, e a gente foi ver o que tinha lá. Não estava completo esse tempo, mas a partir disso a gente começou uma pesquisa pequena, na iniciação científica e tal.


E ali o que mais importava no primeiro momento, porque tinha menos foto e mais documentação. Então, ali o que mais importava era a relação de grupo, que é o que o acervo mais conseguia documentar. Era o caráter grupal, coletivo, organizado. Existia uma biblioteca, faziam reuniões, participavam de determinados certames.


Aí tem cartaz de salão fotográfico. Isso, num determinado momento, começou a dizer mais sobre aquele acervo do que a fotografia feita em si. É claro que demandaria um outro estudo. Porque tem gente que estuda a foto do clube para entender a técnica fotográfica, a linguagem. Ali não era muito o caso, porque começou a se revelar a rede e os grupos que geraram. De onde que aquele cara estava vindo?


Poxa, tinha gente que vinha das lojas de foto, tinha gente que vinha dos jornais, tinha gente que era da universidade, tinha gente que parece que emprestou só o nome ali, porque era da universidade e queria dar um apoio, mas depois não continuou.


Henry Milleo

Sim, eles criavam sociedades mesmo. Era uma troca que ela começava na fotografia, mas era uma troca maior.


E o Brasil teve centenas de foto clubes. O Brasil tinha uma cena de fotografia muito forte em Belém. Era um dos principais polos da fotografia. Era Belém e o Rio de Janeiro. Eram as duas cidades que disputavam essa coisa da ‘cidade da fotografia’. Mas isso era legal porque era quase como se fosse uma rede social offline.


As pessoas se reuniam para conversar sobre fotografia, para discutir fotografia. E não só isso também, mas também outros assuntos relacionados à própria sociedade onde eles viviam. Mas era a fotografia que unia tudo isso.


E até quando você falou da questão da fotografia analógica. E voltando um pouco na questão da importância anterior e da importância agora da fotografia, eu lembro que quando eu era moleque a minha mãe ganhou do meu pai de presente de Natal uma Kodak Instamatic - que está comigo, ela ainda existem. Ainda funciona, só que não tem filme pra ela - que era um filme 126.


Mas a gente tinha um respeito por essa câmera, sabe. Porque eu era de uma cidade do interior do Paraná, muito pequena, então a câmera só saía da caixa dela quando era um momento importante, quando parentes chegavam de visita, quando era uma festa de fim de ano, algo assim.


Então se faziam uma, duas fotos no máximo. As vezes você ia ver depois da foto e o tio estava com o olho fechado. A grande aventura das crianças era sair fazendo uma careta na foto, para estragar aquela foto, que vai ficar pra sempre. Eram filmes de 24 poses, então eles eram pequenos e era tudo muito caro.


Então a câmera tinha essa importância, sabe? Tanto que a minha mãe guardava a caixinha dela no guarda roupas, junto com uma caixinha que ela tinha que era onde tinham as joias da família - um colar que era da minha bisavó, e coisas do tipo. Então ela tinha esse status de importância e depois hoje você anda com uma câmera no bolso o tempo todo, você fotografa tudo.


Tanto que eu, no que começou a pandemia, eu voltei a fotografar com filme - eu nunca parei verdadeiramente - mas voltei a fotografar seriamente, pra tentar encontrar essa coisa da fotografia. Essa coisa de não ser descartável, de ser essencial. Então quando eu digo: para mim a fotografia importa, é a minha visão como fotógrafo, porque ela sempre importou.


Eu me tornei fotógrafo porque a fotografia sempre importou para mim. Eu não fiz outra coisa e acabei virando fotógrafo. Quando eu entrei na faculdade de jornalismo, por exemplo, um dos motivos foi pela fotografia, porque era onde eu podia aprender a fotografar mesmo. Tinham cursos de fotografia e tal, tinha até curso por correspondência...


Mas era muito difícil. Então a faculdade era um caminho natural, eu estava naquela idade ali. Entrei na faculdade de jornalismo. Um dos motivos, como eu disse, foi pela fotografia. Então tinha isso de querer voltar e encontrar essa fotografia. Então, quando eu digo a fotografia importa, eu estou falando eu enquanto indivíduo. Mas ela importa para o mundo?

A gente vive em uma era de - como disse o Umberto Eco. Tem um texto em que ele um texto, ele dizia: “Na década de 60, todo mundo sabia o refrão de I can’t get no (satisfaction), do Rolling Stones. Na década de 90 ninguém sabia a letra de November Rain, mas todo mundo lembra da imagem do Axel Rose de fraque debaixo da chuva”. Porque na época a gente vivia na iminência de uma geração de extremo consumo visual e a gente chegou nela. O consumo é totalmente visual. Mas mesmo tendo tanta foto, a foto ainda importa, ou ela virou uma coisa lá comum, descartável, entendeu?


Rafael Shoenherr

Aí eu diria que as duas coisas. O Umberto Eco foi legal você lembrar, porque há um tempo eu retomei isso - acho que durante a pandemia também. Você voltou para a fotografia antiga, analógica e eu voltei para uns textos, xerox velhos e livros corroídos.


Daí no meio tem um livro do Umberto Eco em que ele estava preocupado na virada dos anos 60 e 70, com a multiplicação de mídias, dizendo: “ah, vai acontecer alguma coisa na sociedade aqui. Agora não adianta mais a gente querer fazer revolução tomando os meios de produção, tomando os meios de comunicação, no caso. Agora a gente tem que brigar lá do lado do consumo”.


Mas a preocupação dele era a multiplicação de mídias. Que tem muito a ver com isso, do apelo da imagem. Ele usava o exemplo de uma camiseta que tem o mesmo signo, que estava numa série na TV, que depois vai ser reapropriado para uma propaganda de rádio. E aí você vê alguém na rua com esse símbolo. Quer dizer, ele estava atentando para algo que depois muitos pesquisadores foram se especializar, que é o que se chama de circulação. Não é nem a produção e nem o consumo.


E a fotografia, me parece, mas aí eu estou especulando. Me parece que o que a gente está percebendo e quando a gente fica nesses impasses é porque a gente está se enfrentando com fenômenos e impactos que são da ordem dessa circulação.


Alguns exemplos recentes, o sucesso que foi a cobertura do Stuckert, o fotógrafo do Lula, na posse presidencial.


A gente teve tanto a circulação ampla das fotos dele, até porque todo o poderio que representa, por ele ser um cara brilhante e tudo mais. Mas também a gente teve muito acesso aos bastidores, como a figura dentro disso.


Henry Milleo

Esse eu vi muito isso, muita gente falando do fotógrafo… Isso me lembrou muito de uma exposição que eu vi - só fazendo um parênteses aqui - eu vi uma exposição que era da revista O Cruzeiro, que tinham fotos... tinha foto do Heleno, jogador do Botafogo, um retrato dele lindo.


Mas entre as fotos, tinha uma foto que era no carnaval, e um dos foliões - era em um baile num clube - ele estava fantasiado como um fotógrafo da O Cruzeiro. Ele estava com Chapéu, aquele chapéu de jornalista de filme, que tem um papelzinho escrito imprensa assim. E nesse papel estava escrito imprensa e o nome de um fotógrafo da revista - que eu não lembro agora qual era.


Então esse caso do Stuckert me lembrou muito isso. As pessoas estavam interessadas no material que ele estava fazendo, mas também estavam interessadas nele fazendo o material. É quase como se você consumisse o feed e o stories com o backstage ao mesmo tempo.


Rafael Shoenherr

E só o fato dele, que é um fotógrafo consagrado, um fotógrafo que é ao mesmo tempo de jornalismo, de assessoria e de galerias… quer dizer, ele já supera as categorias. E tem vários vídeos que mostram só isso.


Eu acho que tem gente que é viciada nisso. Ir nos eventos do Lula e ficar filmando o Stuckert. Porque é toda uma coreografia diferente agora.


Como na fotografia dos anos 50, quando começa a ter umas câmeras portáteis. Porque ele está com uma câmera pesada do lado, com uma mais leve do outro, com o celular fazendo ao mesmo tempo. Quer dizer, mudou. A dança corporal do fotógrafo é outra.


E dependendo do nicho de consumo você tem programa de TV que só pegou esse aspecto: quem é o cara que deu a corridinha lá e o que ele fez para conseguir correr daquele jeito. Qual é a dieta dele. É o tipo dessa sociedade mais de espetáculo que você falou e que é claro, dependendo do nicho de consumo, isso vai ser até mais importante do que a foto que ele fez. Mas no conjunto uma coisa não está muito dissociada da outra.


Mas então chama atenção nesses momentos - para pegar a mesma sequência de eventos - quando trava a interpretação, que é o caso, logo na sequência, da publicação na Folha de São Paulo, da foto da Gabriela Biló, que despertou um tipo de comoção acadêmica, que muita gente que tem redes e professores, alguns até que falam muito pouco nas redes, eles postaram e começaram a comentar.


Eu acompanhei alguns caras que eu sigo assim, que além de ter uma rede legal são pesquisadores sérios da fotografia, e aí fui ver os posts deles. Era muito interessante pegar os comentários tentando reunir reflexões: ‘mas era sobreposição, mas então não devia estar ali. Aquilo é jornalismo ou é opinião’?


Independente de ter consenso ou não e da conclusão da discussão, se é que tem, deu para ver ali várias tentativas, algumas mais travadas, outras menos, de entender o que está acontecendo com a fotografia.


Tá, tem algo ali que tem a ver com a circunstância, com o tipo de cobertura, mas tem algo que tem a ver com esse estágio que a gente está falando em que chegou a fotografia em que, para ela chamar a atenção na capa de um jornal, tem que dar alguma travada na interpretação corrente a ponto de gerar uma polêmica, seja sobre o fotógrafo que deu uma corridinha, seja o que se desdobra lá para fazer o seu trabalho de forma brilhante, seja quando tem algum manejo que sai daquele repertório convencional.


Aí eu fui atrás, estava lendo aqui um livro, que é mais na área de filosofia, é quase autoajuda, do Alain de Botton, ele tem uma escola da felicidade, e ele fez um livro sobre as notícias. E é muito sobre esse efeito que você consumir muito noticiário gera na cabeça do leitor, do espectador. E eu acho que muita gente, se pegar esse livro para ler de novo agora, vai se identificar.


Durante a pandemia quem assistiu muita TV, quem consumiu mais jornalismo por estar em casa e não menos, quem sabe se identifique. E ele menciona isso - eu não tinha prestado atenção na primeira vez que eu li - ele menciona o editor de fotografia . Ele tá falando de uma agência europeia, e ele disse - sobre o editor de fotografia: ele era um dos seres bizarros e talvez mais tristes que existe.


Ele diz que tem um tipo de foto que é essa que faz o mundo do leitor, onde ele tem contato, se abrir. Ele fica mais rico, ele choca expectativas, ele contrasta com a expectativa. Mas tem um outro estilo de foto que para ele é o que prevalece pelo mercado, que é só de comprovação do óbvio, daquele fato que todos já tem conhecimento.


O presidente fez o discurso e a foto é do presidente durante o discurso.


Henry Milleo

É uma foto só ilustrativa. Mas é um pouco perigoso se a gente pensar sobre isso, porque, pode ser que alguém tem um insight de dizer: se o que dá ibope é foto que causa polêmica, vamos só botar a polêmica. É igual um clickbait.


Ou como algumas matérias que você vê por aí e que você pensa: não precisava ter isso.


Rafael Shoenherr

Sim, sim. Que foi a discussão que se abriu com a foto lá sim, por ser dupla exposição. Mas ele está tentando ali pegar um pouco... Porque tem outros estilos.


Mas o legal é que você também precisa considerar que mesmo com as fotos de jornal a gente aprende para caramba sobre a realidade. Isso amplia a visão.


Mesmo a foto que ele chama de afirmativa, que é essa foto de reunião, a foto e o personagem têm uma relativa importância também, para saber quem é a pessoa que está por trás daquela fala entre aspas. Mas isso é justamente uma outra escala de circulação.


Eu acho que a gente ainda, como sociedade, está surpreso com isso. Com velocidade de consumo, com velocidade de produção, e em perceber que o fato das fotos circularem mais não valoriza mais o eixo da produção, principalmente da produção profissional. Tem descompassos entre isso, entre essas instâncias. E isso a gente vem vendo, principalmente no que eram então os setores mais organizados e mais profissionais das redações e por aí vai.


Mas, por exemplo, na foto que você falou do celular, dentro de casa, de família. Tem uma temporalidade ali familiar e a foto está participando disso, está jogando com isso. Mas eu costumo comparar, por exemplo, nas assessorias e principalmente nas assessorias políticas, sempre sobra para alguém fazer foto. Se não tiver um fotógrafo profissional, pode saber que alguém vai ter que pegar o seu celular e garantir, porque passou um minuto do evento vai ter muita gente cobrando essa foto para circular no whats.


Henry Milleo

Então talvez seja assim - vê se você concorda comigo, que é para a gente botar um ponto final no assunto, até porque eu não sei se as pessoas escutam algo muito longo - mas assim, a fotografia ainda importa, mas ela tem níveis diferentes de importância.


Por exemplo, como você falou aí do político, alguém tem que fazer, alguém tem que ficar encarregado de fazer essa foto para postar na rede social. Mas a pessoa que fotografa o prato de comida, para ela aquela foto também vai importar, também importa. Ela pode não importar para mim, mas ela importa para ela ou para um grupo.


Então são pequenos núcleos onde a fotografia importa. O que diria que no geral, sei lá, gente como profissional e que almeja uma coisa com a fotografia, almeja fazer uma leitura de uma boa foto que a gente encontra, sei lá, se for citar grandes fotógrafos aqui - Marc Riboud, Vivian Maier, Annie Leibovitz, enfim - aquilo que a gente queria fazer consumindo a foto desses fotógrafos a gente não consegue nessas fotos ordinárias, mas não ordinárias no sentido pejorativo, ordinárias de comuns. Mas elas têm uma importância, seja social, ou seja só para aquela pessoa, ou seja só para aquela família, ou seja só para aquele político que quer promover o que estava fazendo.


Então se for para dar uma resposta de sim ou não, a resposta é sim?


Rafael Shoenherr

Para mim é sim.


Henry Milleo

Eu não estou perguntando para você. Estou perguntando no geral. Para o mundo a resposta é sim?


Rafael Shoenherr

Eu creio que há uma dificuldade de se pensar a fotografia pelo vício de se pensar a fotografia como unidade.


Isso vem da linguística, isso vem do Roland Barthes, isso vem de uma série de tradições. E hoje ela se expõe para gente como muita coisa e menos como unidade. É como um conjunto. Mas a fotografia está encaixada dentro de alguma coisa social do que alguns chamam de um outro dispositivo. O celular é um dispositivo, mas o Instagram também é um dispositivo, e um vai encaixando dentro do outro.


Assim como uma foto de uma galeria. Tem um dispositivo que é a galeria. Como tem o filme e o cinema, tem a foto da galeria, tem a foto e o conjunto de fotos na parede, que pode ser do mesmo autor, pode ser de vários, pode ter uma foto artística e do outro lado da galeria ter uma foto dessas que você falou do ponto de ônibus de uma cidade, ou de um desfile, ou retratos 3x4 que eram feitos todo dia a rodo em uma casa comercial de fotografia.


Então tudo isso vai encaixando a foto, o que leva a gente a tentar responder jogando outras perguntas, que é: se eu estou pensando em fotografia jornalística informativa, a fotografia importa? Isso só existe porque, em alguma medida, a gente também está se perguntando: e o jornalismo importa? E a cultura ainda importa? No caso dos museus, os museus ainda importam?


E nisso eu acho que a pergunta fica mais especulativa e ainda mais interessante do que tentando responder o que está lá nos museus, nas galerias, no jornalismo, na cultura. A gente volta daí sim, para pensar a unidade fotográfica. Mas das conversas que a gente tem com profissionais, pesquisadores ou orientandos, a gente tem um pouco dessa confirmação, mas sempre depende de uma angulação. Eu acho que não vai ter uma resposta absoluta.


Se você pega um fotógrafo de longa tradição, de uma determinada organização que demitiu em massa e vai perguntar no dia seguinte, ele vai dizer que não, que nada mais importa. De tal forma que para esses profissionais a vida estava organizada em torno da fotografia, e isso não vai desaparecer tão cedo. Isso vai se modificando.


Mas eu não estou dizendo que não tenha impacto social e econômico.


Henry Milleo

A gente pode dizer que ela importa a medida que ela importa para cada indivíduo?


Rafael Shoenherr

Ou para cada setor da sociedade. Por exemplo, na pesquisa eu nunca vi importar tanto. Muita gente usando a fotografia nas ciências sociais e humanas como metodologia de pesquisa. Mais do que era há dez anos.


E também tem muita gente pesquisando dimensões da história da fotografia e do fotojornalismo que estavam relegados. Eu lembro do livro da Heloísa Nichele, que fala sobre as mulheres fotógrafas. Tem muita gente indo nessa linha. Eu tenho um orientando que está levantando a história do fotojornalismo do Jornal da Manhã, aqui de Ponta Grossa, nos anos 80.


Então tem muita coisa ainda para se saber. A professora Patrícia, que eu mencionei, estava orientando a primeira dissertação de pesquisa sobre o Foto Elite, sobre o acervo em si. Mas na geografia já tem uma outra pesquisa sobre o Foto Elite. Existe uma dissertação de mestrado...


Então eu vejo várias áreas de conhecimento se interessando. Eu mesmo, no doutorado em Geografia, me interessei por analisar a fotografia e mobilizar a fotografia como uma forma de pensamento, como se fosse exercitar a argumentação via fotografia. Me arriscando por aí, porque já tem repertório metodológico com instruções dessa linha.


Nesse sentido ela tem uma importância crescente. Agora, se para os estudantes que a gente recebe no Lente Quente - e daí o projeto vai se reciclando a cada turma que entra - ali eu vou te dar uma resposta a cada turma. Tem uma turma que entrou que estava todo mundo com foto analógica. Pessoal que vivia comprando equipamento antigo no bazar ou no brechó, filme vencido, filme estragado...


Depois mudou totalmente, era uma galera que entrou na universidade já com câmera digital ou semiprofissional ou profissional. Depois entra uma outra turma com um outro perfil…

Mas ali a fotografia tem outro papel, que é esse de associação: Vamos fazer junto. E às vezes fazer junto é que vai dando contorno para eles da fotografia.


Então tem a finalidade, mas tem essas conexões que vão se estabelecendo e eu acho que elas são muito importantes.


Henry Milleo

Ok. Vamos deixar então como: a fotografia ainda importa. Então quem está ouvindo a gente aqui, que é fotógrafo e que estava querendo largar mão, não desista, dê um tempo porque ela ainda importa. E se ainda importa, acho que ainda vai importar por um bom tempo.


Quer dizer, é como você disse para mim, ela ainda vai importar bastante.


Rafael Shoenherr

Importar não quer dizer que é bem pago.


Henry Milleo

Não, isso não quer dizer que você vai fazer a sua vida com isso. Não quer dizer que você vai dormir numa cama com lençol de cetim e travesseiro de penas de ganso, mas não vai dormir num banco de uma praça também.


Ou pode ser que durma porque eu já dormi justamente por causa da fotografia. Tinha que fotografar e eu tive que dormir ao relento.


Rafael Shoenherr

Para rapaziada que faz aqueles canais no YouTube de street photography, por exemplo, importa pra caramba. E ali você tem um nicho numa escala global.


Henry Milleo

Fotografia de rua é assim. Se eu conseguisse descobrir um jeito de ganhar dinheiro com fotografia de rua, eu parava todos os outros tipos de fotografia e ia fazer só fotografia de rua, porque eu faço bastante, mas eu faço de graça.


Rafael Shoenherr

Eu achei que você ia falar que parava trânsito para fazer foto de rua.


Henry Milleo

Já parei, inclusive.


Mas é isso, Rafael. Muito obrigado pela participação aqui. E eu quero dizer que as portas estão sempre abertas. Cada vez que você quiser dar uma palinha, fique à vontade.


Rafael Shoenherr

Eu vou te agradecer por me chamar, é sempre ótimo conversar contigo, ainda mais sobre fotografia.


Henry Milleo

Valeu, Rafael. Um abraço.



<SOBE MÚSICA

DESCE MÚSICA>


Então é isso, pessoal. Espero que vocês tenham curtido esse bate papo, que foi de antigos estúdios de fotografia até o Robert Capa, passando por uma série de outros assuntos, tudo para pensar sobre a questão: A fotografia importa?


Uma questão que eu deixo aí no ar e que eu gostaria de saber qual a opinião de vocês.


Aliás. O que vocês acham de ter um espaço para um grupo de estudos de fotografia?

Um lugar para encontros - virtuais, claro - para que a gente possa conversar e discorrer sobre fotografia?

Tragam aí também a opinião de vocês sobre isso, porque eu estou seriamente pensando em criar algo nesse sentido.


Enfim… é isso.


<SOBE MÚSICA

DESCE MÚSICA>


Esse episódio usou trilha do Podcast.co

Até a próxima semana, fiquem bem. Ciao!


<SOBE MÚSICA

FADE OUT

ENCERRA>



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