top of page
Buscar

Ep. 06 - Fotojornalismo


 

Para falar de fotojornalismo eu bati um papo muito bacana com o Toni Pires, fotógrafo e presidente da ARFOC/SP.



Tudo sobre fotojornalismo




Roteiro

Temporada: 003

Episódio: 006

Gravação: Henry Milleo

Locução: Henry Milleo

Convidado: Toni Pires


<FADE IN

ENTRA MÚSICA

MÚSICA DESCE>


Olá pessoal, sejam bem-vindos. Esse aqui é o Arquivo Raw, um podcast para falar sobre fotografia. Eu sou Henry Milleo, sou fotógrafo e editor de fotografia e também host dessa coisa toda aqui. E como vocês devem ter visto no título desse episódio, o tema hoje é fotojornalismo.

E esse é um dos meus temas preferidos, tanto que com certeza ele vai aparecer outras vezes por aqui. Mas, para esse episódio especificamente, eu decidi convidar para participar desse bate papo o Toni Pires, que é fotojornalista e presidente da Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos de São Paulo que é mais conhecida como ARFOC, para os íntimos. E foi um bate papo muito bacana, onde a gente falou sobre o que é o fotojornalismo, os desafios da profissão no cenário atual, os limites que o profissional deve observar nessa vertente específica da fotografia e o futuro do fotojornalismo, entre outras coisas. Então vamos para o episódio mas, como é de praxe aqui, primeiro os recados.


Primeiro eu quero pedir para vocês deixarem a sua indicação de tema para os próximos episódios, para seguirem o Arquivo Raw no Instagram @arquivo_raw, para compartilhar esse episódio nas suas redes - mande para aquele amigo que você acha que vai se interessar.

E também, se puderem colaborem ouvindo o episódio lá na Orelo: orelo.cc/arquivoraw. A Orelo paga aos produtores de conteúdo por episódio ouvido na plataforma deles. Não é muito, é coisa de centavos, mas no final já ajuda a manter o podcast no ar.


E, se você quiser ajudar um pouco mais, você pode enviar um pix com qualquer valor para a chave que está na descrição desse episódio. E é isso. Recado dado, vamos ao episódio.



<ENCERRA MÚSICA E ENTRA VINHETA

ENCERRA VINHETA>



Henry Milleo

Bem, então pessoal, como eu avisei, a gente está aqui com o Tony Pires, que é presidente da ARFOC, que é a Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos de São Paulo.


Eu queria começar agradecendo a você, Tony, por aceitar esse bate papo com a gente aqui no podcast. É uma verdadeira alegria ter você aqui. E eu queria já ter conversado contigo antes, mas enfim, coisas da vida. Deu tempo da gente se encontrar só agora.


Então muito obrigado por estar aqui e eu queria que você começasse se apresentando, dizendo aí quem você é, o que você faz, a sua carreira no jornalismo, um breve currículo. Se apresenta como você quiser. O microfone é teu.



Toni Pires

Olha, antes de tudo, o prazer é meu. Eu acho que o trabalho que você faz é extremamente importante.

É incrível, é e é gostoso. Eu acho que é uma palavra que a gente usa pouco no lado profissional. Mas as coisas têm que ser gostosas, prazerosas. É uma delícia e é um desafio muito grande você falar da construção de imagens sem ter imagens. Não é pra qualquer um, não. Então você está de parabéns.


Para mim é um prazer, uma honra estar aqui e dividir assim. Você pediu para eu me apresentar, é isso? Eu sou Tony Pires, eu já sou um jovem senhor, tô com 57 anos, tenho 33 anos, 34 anos de carreira. Passei pelos principais jornais aqui de São Paulo, do Rio, já fui correspondente fora do país. Trabalhei por 18 anos no jornal Folha de São Paulo.

Hoje eu estou independente. Trabalho com projetos pessoais, com editais. Nessa mudança que a nossa profissão teve, nós vamos nos adequando, obviamente.


Migrei também para o vídeo, que eu acho que é um complemento da nossa linguagem e é um acesso. Então isso é muito bacana e eu estou - como você disse no começo - eu estou a frente da ARFOC aqui há dois anos, estou como presidente, tenho uma equipe incrível ao meu lado, uma diretoria muito bacana e a gente vem a tentar fazer uma reinvenção de espaço da ARFOC.


Eu costumo sempre dizer que a ARFOC é um grupo, né? Quando alguém fala bem ou fala mal da ARFOC, essa pessoa está a falar bem ou mal dela mesmo porque ela tem que participar, ela tem que criticar, ela tem que ajudar a colaborar. É um desafio, mas tem sido muito gratificante.


Eu acho que a gente tem plantado uma semente muito bacana e já está começando a colher alguns frutos interessantes também.


Henry Milleo

Que legal, cara! Sabe que eu tinha ARFOC, mas agora eu não tenho mais - por N motivos - mas eu tinha uma participação ativa na ARFOC aqui do Paraná. Não era da diretoria, nada, mas eu gostava de estar presente e de contribuir da forma que eu podia, porque eu achava que era exatamente isso. Tipo assim, as pessoas muitas vezes cobram muito da associação, mas participar participa um pouco.


Então, como você disse, está falando mal, está falando mal de todo mundo, inclusive de você mesmo, né?


Toni Pires

Mas você falou, se você me permite, você falou uma coisa muito legal quando você disse “eu não era da diretoria, mas eu gostava de participar”. Algumas pessoas também acreditam que para participar das ARFOC é necessário que você esteja na diretoria.


As ARFOC que eu conheço: São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Minas. A participação de nós, dos profissionais, ela é aberta e é extremamente importante, porque ninguém nas ARFOC recebe salário. A gente faz uma doação de tempo ali por acreditar na divulgação, no fomento da documentação, do fotojornalismo. Então é muito importante que as pessoas entendam que elas podem e devem participar.


Henry Milleo

Sim, isso é extremamente importante. É que nem como você disse aqui no caso do podcast que está fazendo um negócio sem imagem, mas é uma forma de ocupar todos os espaços possíveis para falar e discutir fotografia em todas as suas vertentes, né?


É claro que eu tenho um carinho especial pelo fotojornalismo, porque é a minha área de atuação, mas eu acho importante que a gente fale, discuta e participe da fotografia em todas as plataformas possíveis e inclusive em associações e encontros.


Enfim, grupos de estudo que é uma coisa que eu sinto falta. Da época que o Brasil tinha os foto clubes que eram aquilo que fomentava a fotografia. As pessoas discutiam a fotografia, ao contrário de hoje, que as pessoas geralmente só tentam fotografar ou ser fotógrafo.


E como a gente estava conversando aqui, antes de começar a gravação, dizem que a fotografia é muito uma coisa individual, solitária e eu acredito que seja um trabalho solitário, mas ela tem um resultado coletivo, então a discussão também tem que ser coletiva.


Então enfim, é isso. A fotografia deveria unir mais do que separar.


Toni Pires

Sim, sem sombra de dúvida.


Henry Milleo

Mas para a gente entrar no nosso assunto aqui, que é o fotojornalismo. Como eu tinha dito antes, eu poderia falar sobre o fotojornalismo sozinho aqui nesse solocast. Mas eu queria que você explicasse o que é fotojornalismo?


Toni Pires

Pegou pesado. É a fogueira. Eu costumo falar de uma forma menos acadêmica.


Sabe o que eu acredito ser o fotojornalismo? O fotojornalismo é você ser um contador de histórias. Com ética e responsabilidade. Com todo o teu processo, com a história que você conta, com os personagens envolvidos nessa história. Para mim é isso, porque nós somos jornalistas visuais. Eu gosto de pensar assim.


Ou seja, nós somos contadores de histórias, nós somos um intermediário. E eu vejo esse mundo tecnológico de hoje, com esse avanço que nós temos hoje, no século XXI, como algo muito positivo para que a formação dos profissionais seja cada vez melhor.


Porque todo mundo hoje tem acesso às tecnologias e mais do que ter acesso ao equipamento de produção, você tem acesso a divulgação desse teor, desse teu material.


Então, aquilo que no início da minha carreira a gente cobria dentro de um jornal, um acidente de trânsito, um buraco de rua ou coisas menores, hoje não se faz mais isso. Hoje você é obrigado pelo dia a dia, pelo pelo momento histórico, a ser um profissional muito mais capacitado, ter muito mais bagagem, ter muito mais lastro de conhecimento.


E isso traz uma responsabilidade muito maior, até porque a maioria dos jovens profissionais hoje são independentes, não estão atrelados diretamente a uma redação de um grande jornal, de uma grande revista ou de uma grande agência. Isto não é saudosismo, é só uma constatação factual e uma constatação de que isso tira uma parte do aprendizado do jovem profissional.


Porque quando você convivia com 10, 12, 15 profissionais dentro de uma redação, você tinha o que eu chamo de espelho. Você via o profissional mais experiente, você via como é que ele negociava com o editor, você via como ele vendia o seu material, como ele editava o seu material, ou, às vezes, uma coisa muito mais simples, como ele arrumava seu equipamento para sair, o que a gente chamava na redação de ‘fazer a lição de casa’.


Não tinha o Google, mas tinha o banco de dados do jornal, para pesquisar, para sair embasado para a rua. Isso você pode fazer sozinho, mas este espelho de encontrar outros profissionais, outras formas com o objetivo é o mesmo. Mas as formas, muitas vezes, são diferentes de linguagem e de conduta, né? Eu acho que isso faz falta para a formação.


Aí eu aproveito para colocar um ponto que eu acho que entra aí a importância da ARFOC no nosso caso aqui em São Paulo, que é de ocupar esse espaço de formação, de informação, de conduta, de postura, de ética, de responsabilidade. Porque o acesso à informação sobre tecnologia, sobre equipamento, sobre como usar o equipamento, ele ficou muito fácil, né?


Diferente de 20, 30 anos atrás, que o acesso ao equipamento era difícil, o conhecimento de como usá-lo era difícil. Você não tinha muito isso.


Hoje você tem YouTube, você está com tutoriais maravilhosos, de altíssima qualidade, sobre qualquer equipamento que você tenha, sobre qualquer dúvida que você tenha. Mas acredito que falta uma formação maior em termos de postura responsável e ética. E com isso eu não estou a dizer que esses jovens profissionais não tenham responsabilidade, não tenham ética, longe disso.


É que eu acho que é importante esse trabalho contínuo de formação e de informação, porque - acima de tudo, voltando a tua pergunta inicial - fotojornalismo é contar histórias através das imagens, com plena responsabilidade social, profissional e com ética, conhecendo os códigos de conduta da sua profissão. Obviamente que alguns profissionais acreditam que são códigos ultrapassados em alguns momentos.


Eu acho isso interessante. Eu acho que o mundo realmente só evolui com esses jovens audazes, revolucionários e questionadores, mas é necessário que se entenda como e quando se questionar, como e quando se posicionar. Isso chama se amadurecimento, isso chama se experiência.


Por isso o papel importante da ARFOC, de trazer esses jovens profissionais para a associação e poder oferecer trocas.


Aqui em São Paulo, por exemplo, a gente vai até conta em primeira mão. Aqui a gente inaugura pós carnaval, um círculo de estudos mensais para jovens profissionais, com profissionais experientes trazendo a sua trajetória, a sua experiência. Então, nós não vamos falar de questões técnicas. Podemos até, obviamente, na conversa, tocar no assunto, mas o objetivo é tratarmos de postura profissional, ética, conduta profissional.


Então coisas às vezes muito simples e óbvias para nós que temos mais tempo de casa.


Na cobertura esportiva, por exemplo. Como é que você se comporta? Quanto tempo você chega antes? Como é que você se prepara? Como é uma cobertura internacional? O que você deve ter? Como é que você abre os contatos?


É extremamente fundamental você saber como se auto financiar, como é que você busca parceiros, patrocinadores para você ir para Amazônia, para você ir para Ucrânia, para você ir para o Senegal, para você ir para o Panamá, para o Sul, para o Paraná.


Não interessa para onde você vai ter uma história. História tem em todos os lugares. Eu lembro uma coisa se você me permite estender um pouco, eu lembro de uma experiência muito muito rica que eu tive dentro da Folha de São Paulo, que durante muitos anos eu fui editor lá, e vira e mexe fazíamos reuniões de equipe. E era um momento muito interessante do jornal.


Eles sempre olharam com muito carinho e muita atenção para a fotografia. E nós éramos realmente tratados como jornalistas visuais. E éramos cobrados também para que apresentássemos sugestões de pauta.


Então, quando fazia reunião com a equipe para se fazer sugestão de pauta, tinham sugestões assim: passar 60 dias em uma tribo em Rondônia. Passar 50 dias no garimpo não sei aonde, dois meses na Amazônia.


E é tudo muito interessante. Mas também você tem que ter o discernimento de entender que um jornal não pode viver só disso. É importante que se faça isso e eu costumava questionar: caramba, você está na maior metrópole da América Latina, uma das maiores cidades do mundo. Será que você não tem a competência de pensar numa história que você possa contar aqui?


Porque é importante, quando a gente fala na construção do fotojornalismo. É uma profissão custosa, é uma atividade muito custosa. E eu digo isso.


Por exemplo, no jovem profissional é muito comum encontrar com alguém às vezes, em uma troca de experiência, uma conversa, e eu digo: Ah, eu já morei dois anos na China, trabalhando como correspondente e o cara diz: é meu sonho. Meu sonho é ir para as zonas de conflito.


E sonhar é bom, mas e de realidade? Que história você está a contar aqui? Aqui eu estou no rame rame. Eu vou lá fazer um futebol, vender por 20 R$ uma foto eu faço. Porra!


E eu costumo sempre dizer: cara, você pode contar a história do porteiro do prédio. O importante é como você conta essa história. Como você faz essa história ser atraente. Porque não adianta você usar um tema muito pertinente. Agora, não adianta sair para Rondônia, por exemplo, trabalhar com garimpo, se você não tiver uma ideia de que história você quer contar, como você quer contar essa história.


Você precisa fazer isso ser atrativo. Você precisa fazer isso ser interessante para as pessoas. O tema pode ser importante, mas se você não souber contar não funciona.


É a mesma coisa quando nós viramos pais mães. Você vai contar uma historinha ali pro teu filho e nas primeiras vezes você tenta lembrar as histórias infantis que você ouviu, a história dos três porquinhos, e a criança dorme por que é chato, não porque você é legal.


Henry Milleo

Aí você puxou uma coisa… Esses tempos um editor gringo me ligou. Eu estava conversando com ele e ele me disse assim: “mas você é fotojornalista ou você é fotógrafo de jornal”? Porque tinha esse pensamento. Um fotógrafo de jornal - é claro, é um fotojornalista - mas é o cara que corre atrás do hard news e que faz geralmente o single shot, uma foto para resolver um problema de ilustrar um acontecimento, enquanto o fotojornalista - que é aquilo que os caras sempre pensam quando dizem “eu queria trabalhar na National Geographic”. Mas os caras da National Geographic vão lá e se afundam em um tema e voltam com um tremendo de um material completo, contando toda uma história. Com o personagem, com detalhes, com o que está acontecendo, que é um outro pensamento de fotojornalismo.


Então eles têm essa diferenciação. Tem o fotógrafo de agência de jornal e o fotojornalista, que é outra coisa.


E é como você falou: São Paulo, a maior capital da América Latina, uma das maiores cidades do mundo… Deve ter zilhões de histórias para contar. Mas cidades pequenas também têm. Talvez em um número menor, ou sejam mais pitorescas. Mas essa formação, esse pensamento do fotojornalismo, desplugado, digamos assim, desconectado só do: ‘ah, na minha cidade não acontece nada’, só do hard news e que talvez seja o mais interessante para quem está começando, ou mesmo para quem já tem um bom tempo de casa. Entender essa situação, do que o fotojornalismo não precisa ser necessariamente hard news.


Toni Pires

Não, não é. É uma preocupação muito complexa. Durante os anos 90, 2000, a gente, com a redução de espaço que nós tivemos dentro dos jornais, nós tivemos que enxugar e fazer o que você chama de foto única. E aí os acadêmicos gostam muito de falar da fotografia icônica.


Eu costumo usar um outro nome, que é a fotografia de resultado, que agora eu renomeei, que é a fotografia da lacração. Que a pessoa espera que ela tenha em um único disparo o melhor enquadramento, a melhor luz, todos os personagens importantes. Ou seja, a perfeição da perfeição num único click.


Isso não existe. A fotografia assim seria só um apêndice da situação que está a acontecer e ela por si só não é uma história, ela é só mais um material visual que faz parte de todo aquele bolo.


Eu acho que isso é muito importante e você citou uma coisa super importante mesmo: qualquer lugar tem uma boa história.


Você pode estar no interior do interior, do interior. É tão interessante aquele modo de vida, aquela situação tão pouco conhecida de um outro grupo social, que não é datado, que não é preciso ser publicado hoje, que não é um momento decisivo, porque criou-se esse imaginário do momento decisivo que acaba por existir em algum momento


É lógico que é muito importante, mas você tem condições de fazer uma cobertura, por exemplo, de um jogo de futebol, sem necessariamente ter o gol e a comemoração. Eu acho que é importante que a gente saia dessa caixa onde tudo está formatado, a boa foto de esporte não precisa só ser feita com a 600 milímetros do jogador a comemorar, né não?


Fica tudo pasteurizado. É tudo a mesma coisa, e fica tudo igual. E cada vez é mais fácil fazer isso. Cada vez a tecnologia nos ajuda a fazer isso com maestria, com facilidade, com abundância e com as câmeras ultra modernas, com as lentes ultra modernas, com o autofoco super moderno…


E não é nenhuma crítica, nem saudosismo. Eu acho lindo. Mas hoje a minha grande preocupação com o fotojornalismo está na responsabilidade do jornalista visual. E para se entender uma coisa que eu acho extremamente importante - e às vezes me preocupo vendo jovens profissionais assim - nós não somos artistas. Nós somos jornalistas.


E mesmo como artista, você tem uma responsabilidade social, você tem um código de conduta. Mas principalmente como jornalista, você tem que ter uma grande responsabilidade. Você precisa conhecer o veículo que você trabalha, você precisa saber como ele atua na sociedade, porque ninguém aqui é louco de achar que os jornais são isentos. Nós sabemos o papel de cada veículo de comunicação, nós sabemos o papel das agências.


Então, quando vamos à rua fotografar determinada situação, determinada história, determinado personagem, é extremamente importante que você saiba o que você vai fazer, como você vai fazer e como você apresenta isso pro teu veículo ou até na tua rede social.


É preciso se preocupar com a consciência que tem o retorno na sociedade. Até porque você vai colher o resultado de ter feito aquilo que você quer. Então, é claro que eu, particularmente representando a ARFOC, nós somos completamente contra o linchamento virtual que existe hoje em dia nas redes sociais. Isso independente de qualquer imagem publicada, certa, errada, boa, bonita, não interessa. Esse linchamento não deve existir.


Mas é um processo que nós ainda estamos a descobrir. Mas tem que ter uma responsabilidade muito grande. Quantas vezes eu e dezenas de pares meus não deixamos de clicar em algum momento ou deixamos de enviar para o jornal determinada imagem porque nós sabíamos a postura política ou a postura ideológica de determinado veículo.


E a gente sabia da nossa responsabilidade em colocar aquilo na mão de um veículo que poderia, em algum momento, estar equivocado.


Não sou o dono da verdade, mas realmente nós somos um filtro. Não existe o fotojornalismo isento. A escolha de lente, do enquadramento, da hora de disparar, são escolhas do fotojornalista.


Henry Milleo

Aí entra essa questão que você falou que eu acho bacana, porque você falou, por exemplo, dos equipamentos, de buscar meia hora de tutorial no YouTube e tal, que é uma questão técnica, entendeu? A questão técnica a gente não questiona. Se a gente fosse questionar estaríamos usando o filme até hoje, batendo a cabeça A tecnologia é ótima, ela veio para ajudar - apesar que eu ainda fotografo com filme algumas coisas, mas são coisas para mim, é por gosto, não é pela minha profissão - mas daí vem essa questão que você falou do preparo do profissional.


Qual seria o limite do fotojornalismo hoje? Por exemplo, digamos que eu vá fotografar uma pequena propriedade e eu chego lá e eu preciso fotografar o cidadão - que tem lá a sua horta de subsistência - eu preciso fotografar ele capinando, limpando a área dele ali. Mas eu cheguei em um dia que ele já capinou ontem. Eu já não tenho mais aquela imagem. Eu - sei lá - eu reproduzo a ação, eu falo pra ele: pega a enxada, dá uma capinada para eu fazer a foto. Isso é ruim?


Eu sei que é ruim por ele não estar cumprindo aquela tarefa naquele momento, mas eu estou reproduzindo uma ação que ele faz cotidianamente, que é diferente de eu dizer: pegue a enxada e capine, para um cara que nunca capinou na vida.


Então, qual é o limite? Qual é o limite do fotojornalismo? O que você pode criar além, claro, da escolha de lente, de regulação da câmera e de tudo mais? O que você pode criar dentro do fotojornalismo sem ultrapassar um limite ético?



Toni Pires

Eu acho essa discussão interessantíssima. Aliás, se pegarmos esse teu exemplo clássico, eu acho que a primeira pergunta que a gente vai fazer é: eu cheguei no dia que ele já capinou. O ato dele capinar é extremamente importante para mim? Então eu posso negociar e voltar outro dia.


Isso para mim seria a melhor conduta. Mas a gente sabe que não dá para você ficar indo e vindo. Às vezes está numa viagem. Eu me faço sempre uma pergunta: eu preciso mesmo desta imagem dele a capinar? E isso é tão importante para que? Porque assim como eu gosto de dizer, sou jornalista. É a mesma coisa que eu forçar numa entrevista de texto que a pessoa me dê uma aspas que eu quero.


Então a entrevistada fala: eu fui na padaria comprar pão. E eu quero que ela fale que o pão está caro. E eu fico forçando, perguntando: e o pão estava caro? Ela não ia me dizer que tá caro eu é que forcei.


Não é preciso uma regra para dizer: isso não pode. Não está escrita no manual X. Mas eu acho assim: se eu vou contar uma história e a cada pedacinho dessa história eu forjar uma situação, quando eu tiver a minha história total pronta eu tenho essa história com uma falha muito grande de responsabilidade.


Eu induzi demais. Eu quero contar a história - entre aspas - real. Porque eu quero contar aquela história ou eu quero defender uma tese do que eu acredito? Eu acho que a pergunta que o profissional sempre deve fazer é: eu estou aqui para contar essa história ou eu estou aqui para defender uma tese? Eu preciso realmente do cara capinando?


Eu acho que sempre vale a pena a gente ter um olhar do momento histórico que nós estamos hoje. Eu acho que você não precisa mais disso. Eu não vou dizer que é antiético, mas eu acho que é equivocado.


Eu acho que eu posso pegar o seu João e levar ele com a sua enxada lá na horta, no sol do meio dia, e fazer um puta retrato dele. Fazer um retrato dirigido dele com a enxada. Ele não precisa fingir que está a capinar ali porque todos os elementos vão construir essa informação. Se o cara está lá na horta, não tem mato, ele está com a enxada, é legenda de cego - que a gente dizia lá no jornal.


Então eu acho que a gente precisa estar muito mais predisposto a ver, a enxergar. Como dizia Saramago. Há que parar de ver e começar a enxergar e começar a enxergar o que está a acontecer mesmo. E não querer criar lá… Eu preciso criar uma imagem fodástica e importante e que eu vou ter 1 milhão de likes, que vai para a primeira página, que vai vender na agência.


Você precisa contar uma boa história, com alma, com qualidade, com responsabilidade. Então eu acho que o limite é no dia a dia. Isso vem de você se preocupar menos, deixar o ego em casa. Porque eu acho que um dos grandes problemas da nossa categoria é o ego. Eu acho que a gente precisa sempre quando vai fotografar arrumar a bolsa de equipamento ali, por uma série de coisas ali dentro, escolher as lentes para câmera, filtros e lembrar de tirar dessa bolsa o ego.


Henry Milleo

Essa é outra questão que eu queria tocar com você, que é a questão dos desafios da profissão, porque historicamente em cada etapa você tinha um desafio.


Você acha que hoje o grande desafio é esse? É confundir jornalismo com espetáculo, é confundir o fotojornalista com um produtor de conteúdo, é confundir um like com um acerto de uma boa imagem? Enfim, esse é um dos grandes desafios da profissão, ou qual seria o grande desafio da profissão hoje?


Toni Pires

Eu acho que esse é um grande desafio da profissão.


Entender realmente qual é o seu papel como jornalista. Por isso eu volto a dizer que a formação é extremamente importante para esses jovens profissionais. Formação que eles não encontram mais dentro das redações. As grandes agências ainda tem um trabalho muito severo - no melhor sentido - muito atento, rígido à produção, muito feedback, porque hoje muitos profissionais vivem sem feedback.


O feedback deles é o like das redes sociais. Então ele acha que se a rede social disse ok, tá ok. E não é isso, você não é a rede. O like não pode ser um termômetro. Tem coisas que são extremamente belas e importantes que você coloca na rede social e não dá nada. E tem coisas fúteis, horríveis, antiéticas ou vergonhosas que você põe na rede e ela explode.


Então eu acho que a gente não pode deixar esse momento sem discussão, mas eu acho que é isso.


E voltando a falar dos limites, eu acho que independente do que o profissional ache no momento, ele tem que entender que existe um código de conduta. Tem na France Press, na Al-Jazeera, até na NPPA - que é a maior associação de fotojornalistas do mundo - nas ARFOCs, nos jornais…


Então tem algumas coisas muito básicas. E eu acho a discussão extremamente importante. E quando você entra no meio acadêmico, quando os filósofos vêm falar que precisa estender a corda, que o fotojornalismo é muito hermético, que isso é muito antigo. Eu acho até que pode ser antigo, mas eu acho que a ruptura não se dá dessa forma.


A ruptura não se dá no momento que nós estamos vivendo. Nós, como jornalistas, temos que ter a plena consciência do momento que estamos vivendo. No momento político. No caso do Brasil, no mundo. E nós precisamos ter muita consciência e muito cuidado nesta hora, em querer esticar a corda.


Eu acho que existem momentos. Eu acho que se a gente falar de veículos de comunicação, existe espaço para todo tipo de fotografia dentro do jornal, você pode ter a fotografia mais ilustrativa, você pode ter a fotografia montada, você pode ter a fotografia manipulada - que vira ilustração - mas nos lugares certos, com a informação correta.


E quando eu digo a informação correta, a gente tem que lembrar o seguinte: nós não estamos na Bélgica. As pessoas não são alfabetizadas visualmente, não são alfabetizadas, não são letradas, elas não entendem quando você coloca lá: múltipla exposição. Ótimo. Ok. Que porra é essa?


Henry Milleo

Esse é um dos grandes problemas que eu vejo, porque eu sempre falo - e eu já falei aqui nesse podcast acho que em uns dois ou três episódios - que a fotografia é um diálogo, é uma conversa entre entre o fotógrafo e quem está vendo a fotografia, e que o fotógrafo tem que ter uma bagagem para transmitir aquilo, mas ele tem que levar em consideração a bagagem de quem vai ler aquilo.


E a gente não tem uma alfabetização visual. As pessoas não entendem coisas pequenas ou coisas grandiosas dentro daquilo tudo que você compôs. E no fotojornalismo, por mais que ele seja uma coisa escancarada, as pessoas ainda não entendem.


Até porque o fotojornalismo é um pedaço da verdade, é uma escolha do fotógrafo de retratar assim. Mas as pessoas não têm condição ou bagagem de ler aquilo. Então não é você é um campo perigoso? É um terreno muito minado para se pisar. E a explicação, que vai acompanhar a tua imagem, ela precisa ser muito didática.


Toni Pires

Eu fiz parte da equipe da Folha no momento em que a Folha tirava um milhão e meio de exemplares no domingo. E a grande preocupação do Otávio Frias, na época o diretor do jornal, era o didatismo. Ele falava: as pessoas que estão a entrar agora para consumir informação via jornal, elas não estão acostumadas com isso. Então nós temos que ser muito didáticos para elas se acostumarem.


A gente não pode partir do princípio que elas sabem o que é isso. Elas vão entender? Não. Você precisa ir lá, pegar na mão mesmo, e ajudar neste caminho. Isso é um processo de alfabetização. Isso é um processo de conhecimento que é extremamente importante.


Henry Milleo

E extremamente difícil numa época em que as pessoas são bombardeadas por imagens o tempo todo e que qualquer imagem feita por cidadão é divulgada pelos portais e pelos jornais.


Aqui no Paraná os jornais televisivos falam: temos o nosso aplicativo, contribua, mande sua foto, mande o seu vídeo. Então as pessoas são bombardeadas por isso e elas sequer sabem diferenciar É de dizer: isso é uma fonte de imagem confiável e isso daqui foi a tua tia que mandou.


Toni Pires

Então, é por isso que eu acho muito importante essa formação melhor do jornalista visual. Para que a imagem servida por ele venha já embutida com esse lastro de confiabilidade, de segurança, de você saber que está consumindo esse material, que vem deste site, deste jornal ou deste profissional, da rede desse profissional.


E que este é um profissional sério, consciente, respeitoso. Erros e equívocos acontecem o tempo todo, né? Volto a dizer: é muito bacana você ver jovens profissionais a questionar os limites do fotojornalismo. Eu acho que essa discussão é riquíssima e extremamente importante, mas é muito importante também entender o momento que nós estamos a viver e quando a gente abre determinado debate e como a gente abre esse determinado debate, com qual postura, com qual material.


Isso eu acho que é e é muito, muito importante. Mas acho que é muito legal todo mundo fotografar. É a mesma coisa que todo mundo ter uma caneta, saber escrever. Você fala: eu ainda uso filme. Eu também escrevo a lápis. Muitas vezes eu acho que isso não muda. Eu acho que o importante não é o equipamento, a tecnologia que você usa, é como você a usa.



Eu posso usar o computador mais nobre do mundo para escrever uma mentira. E eu posso fazer um bilhete a lápis, manuscrito, apontado ali na Gillete, e falar verdade. Se a história é verdade, é a mesma coisa.


E vejo também os jovens profissionais muito preocupados com equipamento. Não é o equipamento que faz a fotografia. Ele te facilita captar alguns momentos mais difíceis.


Você tem um iso melhor, uma lente melhor, você tem uma qualidade melhor. Mas o que faz você captar a história é a sua bagagem.


Henry Milleo

Tem uma analogia que eu sempre faço, que é assim: você tem uma Ferrari e você tem um Fusca. Os dois vão te levar no mesmo lugar. É claro que um carro como uma Ferrari ou, sei lá, um Aston Martin feito à mão, tem uma tecnologia incorporada melhor e você vai chegar sem balançar tanto, vai chegar mais rápido, vai chegar numa condição melhor no seu destino. Mas o Fusca também te leva. O importante é você saber dirigir.


Toni Pires

Sim. É saber evitar os buracos. Muitas vezes uma Ferrari não vai chegar onde o Fusca chega.


E como a gente teve há uns anos atrás, com a entrada dos mobiles. A fotografia de celular. Ela pode ser pinhole, ela pode ser de celular, ela pode ser médio formato, grande, formato digital, analógica. Esse não é o problema. Eu hoje faço muitos trabalhos profissionais com o celular e ele me facilita em determinados momentos, em determinadas situações, por ser menos agressivo ou por chamar menos atenção.


Facilita o acesso em alguns momentos. Então eu falo que é a escolha do equipamento. Eu vou fotografar embaixo d'água, preciso de uma caixa estanque. Se eu vou fazer um esporte, eu quase que necessariamente vou precisar de uma tele. Se eu vou fazer um retrato, eu vou precisar de luz. É a discussão em cima de equipamento que eu acho muito antiga, muito tosca, que eu acho que a pessoa precisa se libertar disso.


Eu vejo jovens profissionais se matando, gastando dinheiro que não têm, porque pensam que precisam ter tal câmera. Mas você precisa saber pra quê você precisa? O que ela te oferece? Qual problema que você tem hoje que você não resolve com o seu equipamento?


Então eu acho que a discussão maior deve ser como é que eu posso me capacitar melhor? Como é que se vai para um determinada cobertura para contar uma determinada história?


Eu acho que é importante você pensar no seu equipamento, mas mais importante ainda é você estudar esse lugar para onde você vai, a comunidade que vai estar lá, entender como é que vai ser o seu approach, como é que você vai captar as tuas imagens, com como é que você não invade a privacidade das pessoas.


Henry Milleo

E como você e quando você mesmo disse: saber como você vai contar aquela história.


Toni Pires

Sim. E isso é muito importante. Eu tenho vários debates com amigos, quando a gente vai editar o material. Outro dia estava vendo o material de um amigo e falou assim: “não, mas tem essas duas fotos aqui que são feias”. Eu falei: mas nós não estamos a editar uma exposição para a parede de uma galeria, né?


Nós estamos a contar uma história. Ela precisa subir e descer. Eu preciso dar um respiro. Eu acho que tem um ritmo. Eu acho que o jornalista visual precisa aprender a usar a vírgula, reticências.


Tem uma expectativa ou uma ansiedade muito grande pela beleza, sabe? Então, pela estética perfeita em todos os cliques.


Henry Milleo

É isso que eu chamo de pensamento do single shot.

Porque eu edito o material também do pessoal e eu faço edição para livro de fotografia também e é assim: tem uma foto que o cara chega e fala essa é a foto; a foto que eu gosto, a foto que ficou massa. Mas eu olho e vejo uma single shot. Eu vejo que na verdade ela enfraquece o conjunto todo.


É como se fosse um Van Gogh, por exemplo, você vai num lugar e tem um monte de quadro e um Van Gogh no meio. Não. O Van Gogh foi feito para estar sozinho em uma parede. Porque ele chama atenção demais, então ele não funciona num conjunto de uma exposição coletiva de vários artistas. Ele tem que estar num lugar muito bem pensado.


A mesma coisa com a fotografia, mas isso vai desse pensamento do single shot, do querer resolver um hard news ou uma história toda numa única imagem.


Eu vejo as vezes profissionais que estão… Seria como um escritor que busca as palavras mais elegantes, mais difíceis. Você pode usá-las, sem nenhum problema, mas você precisa saber usá-las, senão, às vezes o “nóis vai, nóis vorta, nós fumo” pode funcionar melhor.


Henry Milleo

Exato. Basta ver o Rolando Boldrin, que era um grande contador de história e falava popularmente.


Toni Pires

Eu falo que eu posso contar a história dos três porquinhos de 212 mil formas. Vai depender também do meu interlocutor, de quem vai receber isso. E eu volto naquela máxima do começo: você tem que tirar o ego. Deixa o ego em casa e vai contar uma história verdadeira.


E quando eu digo verdadeira, e com a sua verdade, com a verdade da situação que está a acontecer, sem a criação. Eu quero criar uma imagem para causar um impacto, para causar um pensamento. É bacana? É. Pode? Pode. Em determinados momentos, em determinadas situações pode. O dia a dia é que não, né? Você não pode o tempo inteiro querer abastecer e contar histórias.


Nem todo mundo é Shakespeare, Machado de Assis. Eu acho que tem pessoas que vão além, mas no dia a dia eu acho que a grande maioria não é.


Minha grande preocupação com o fotojornalismo hoje vai muito além dessa questão que se discute. É importante discutir, mercado e como funcionam as redações. Faz 30 anos que eu ouço que o fotojornalismo está a morrer. É o moribundo mais longevo. Acho que o jornalismo está na fila da pena de morte na americana.


São 30 anos que está a morrer assim. Eu acho que algumas formas de organização do fotojornalismo morreram. Outras renasceram.


Nós falávamos um pouco antes aqui. Hoje o acesso aos equipamentos, o acesso ao conhecimento e o acesso da distribuição ficou muito melhor, né? Então não dá para ter saudosismo. São outros tempos, outras formas.


Eu acho que hoje é importante que o profissional saiba buscar parceiros financeiros para os seus trabalhos, para não depender de pequenas agências que trabalham de forma equivocada.


Eu não generalizo, mas nós temos hoje no mercado Rio-São Paulo, Sul, Centro Oeste, Norte, Nordeste, agências que trabalham de forma exploratória com os profissionais. O profissional vai por conta e risco para um jogo de futebol, para uma manifestação, para colocar a foto em uma agência para ser vendido a um preço ridículo, vergonhoso, ultrajante, para ele receber 60 dias depois um valor menor que donativo de missa de domingo.


E eu acho que quando você se capacita, quando você realmente se incorpora, de que você é um contador de histórias, que você conta essas histórias bem contadas, que você é responsável, que você tem conhecimento, responsabilidade, ética, fica fácil - ou menos difícil - você buscar patrocínio.


Henry Milleo

É um caminho que pode parecer um pouco difícil para quem está começando, você não acha? A gente falou - já para a gente começar a chegar nos finalmente - a gente falou da questão do ego, da questão da preparação agora, da questão do se financiar, essa questão dos limites do fotojornalismo. Como que você vê o futuro disso, o futuro do fotojornalismo? Até porque tem o pessoal que cede imagem, tem o cidadão repórter, tem essa coisa toda.


Qual é o futuro? O futuro é o fotógrafo ser em parte fotojornalista e em parte empreendedor? É buscando patrocínio para o próprio trabalho?


Toni Pires

Eu acho que é inevitável isso. E quando você fala que é difícil, é claro que é difícil. Assim como era difícil há 30 anos atrás você entrar num Globo, no Jornal do Brasil, na Folha de São Paulo, na Gazeta do Povo. Era difícil também.


Não tem nada fácil. Embora o século XXI, o BBB, os influencers vendam a ideia do milagre do dia para a noite, não tem nada fácil, nada que se sustente. O influencer de hoje é o Zé Ninguém de amanhã. Você pode subir muito rápido, mas se você não tiver lastro, não tiver conhecimento, você não se mantém.


E para você carregar esse lastro, é com uma escalada. Você pode escalar muito rápido se você não levar nada. Quando você carrega uma bagagem, o caminho é mais lento, mas ele é mais sólido. Quando você chega e você está lá, você pode permanecer lá.


Então difícil é, mas nós vivemos o tempo do empreendedorismo. Se eu gosto ou não, porque eu preferiria muito mais estar dentro de um jornal, de uma agência, recebendo todo dia 20 e tal, reclamando no bar no final de semana que o meu chefe é isso aqui e aquilo… por um momento isso seria bom, mas por outro não.


Então não tem nada que seja perfeito. Agora, o que pode facilitar este trabalho de você buscar patrocínio, de você, buscar anjos investidores, de você buscar parceiros, é você estruturar a sua trajetória profissional. Se você continuar como um atirador indo para a rua, indo para o jogo, para a manifestação, para isso, para aquilo, para aquilo outro, você vira mais um no mundo da fotografia.


Você não vai ascender mesmo. Porque é o caminho. O mercado hoje não abre espaço para isso. Ah, eu fiz uma puta foto legal. Doce ilusão. O jornal X ou Y não vai te contratar porque você fez essa puta foto de agência. Agora, se você começa a colocar no mercado, seja através das suas redes sociais mesmo, um material com solidez, com lastro, com responsabilidade, com qualidade, que seja consistente, fica mais fácil você ir bater na porta.


E aí entra também o papel das associações, das ARFOC. Aqui em São Paulo, por exemplo, a gente está criando… A gente está fazendo uma estreia em março, gigantesca. Um monte de coisa na ARFOC. A gente entra com os cursos, a gente estreia um site novo e a gente criou a ARFOC JOB, que é um espaço tipo ‘photo paradise’. É um portfólio.


Ali o fotógrafo coloca suas habilidades: “olha, eu falo tais línguas e a minha especialidade é drone”. “A minha especialidade é subaquática”. A nossa ideia é criar essa ferramenta para que a gente possa abastecer as assessorias de imprensa, os jornais, os correspondentes. Porque, felizmente, nós estamos em São Paulo, onde há um celeiro de notícias. Nós temos muitos correspondentes estrangeiros aqui.


Então a pessoa muitas vezes desembarca aqui e precisa de um bom profissional, que fala alemão, que fala inglês, que fala espanhol, que tem experiência nisso, naquilo. Ele vai encontrar dentro do site da ARFOC, ali no ARFOC JOB, que é um projeto que foi liderado pelo Levi Bianco, que é um dos diretores, com o apoio dessa direção incrível que hoje eu tenho o privilégio de fazer parte.


Henry Milleo

Esse ARFOC JOB aí é uma grande sacada. Boa parte dos frilas que eu fiz e dos contatos que eu fiz, por exemplo, para as agências que eu trabalho que são de fora do Brasil, e repórteres que vieram para cá e que procurava um frila para acompanhar eles, a indicação era por causa disso. Eu falo inglês, falo espanhol, falo francês, enfim.


E é um conhecimento que ele é paralelo à fotografia, mas que hoje ele tem que andar junto.


Toni Pires

Sim. fotografar bem é nada na nossa profissão. Fotografar bem era um privilégio dos anos 60. Tipo o cara que sabia programar um videocassete é porque ele tinha feito dois MBA em Harvard e ele dominava uma tecnologia que ninguém domina.


Agora, a tecnologia da fotografia todo mundo domina. E eu acho lindo isso, porque separa o joio do trigo, né? E não basta só eu fotografar. O que eu agrego à minha fotografia, como é a minha fotografia? Como a minha história visual pode colaborar com a sociedade?


Porque todo fotojornalista tem o sonho de parar uma guerra… é claro que a gente sonha com o Evereste. Isso faz parte e nos motiva. Mas a gente tem que ter o pé no chão e saber que no nosso trabalho, nós somos um operário, sabe? Nós não somos artistas, nós não somos revolucionários.


Nós vamos colaborar no dia a dia com uma mudança da nossa sociedade. Pode ser que um entre tantos, em algum momento, faça um click que pare uma guerra, que inicie uma revolução, que troque um comando político. Mas não deve ser essa a nossa busca. A nossa busca deve ser com a consistência com a verdade das histórias a serem contadas. A verdade de dentro.


Porque também quando você vai nessa de verdade, o mundo acadêmico adora te destruir. ‘Não existe verdade, não existe real’. Porra, a gente já sabe disso, mas não é um mundo anarquista. A gente tem que ter algumas ideias. Qual é a verdade? E a verdade maior é essa: a responsabilidade que você tem com o personagem, com a história que você conta e como você conta.


Eu, por exemplo, tenho uma encanação horrível. Eu não gosto de gente que fotografa pessoas, situação de rua. A não ser que você tenha um trabalho como tem o Diógenes Moura, que ficou dez anos fotografando pessoas em situação de rua. Um puta curador. É um mestre, um gênio, sabe? Lançou um livro.


Henry Milleo

Tem o Pedro Chavedar também, que é de Mogi. Ele acompanha e fotografa o pessoal em situação de rua, faz aquele projeto Vida Loka, também ama.


E agora ele tem um podcast também, o Vida Loka Também Fala. Então ele deu visão e agora está dando voz a essas pessoas.


Então é diferente de você só explorar por uma questão de uma beleza plástica, visual ou algo assim.


Toni Pires

É. Nossa! A pessoa dormindo na calçada em frente a loja de grife. Puta que pariu, gente, sabe o que é isso? São os clichês dos clichês.


Um dia fui fazer uma saída com um grupo de jovens e de repente eu olho para todo mundo a fotografar pessoas em situação de rua. Falei: opa, para aí, vamos pro bar vamos sentar e conversar antes, vamos recomeçar o trabalho.


O que o teu trabalho pode ajudar essas pessoas? Essa é a preocupação. O quanto esse teu trabalho pode prejudicar as pessoas?


Porque não adianta você querer ser o Padre Júlio Lancelotti, que é uma alma abençoada. Você tem que pensar: se eu não posso ajudar, o que eu não posso, em hipótese alguma, é atrapalhar.


Henry Milleo

E qual é a consequência daquela foto?


Toni Pires

Eu estava - há um tempo atrás, eu fotografava para o El País Brasil - e era uma noite de muito frio em São Paulo. E a gente foi na madrugada fazer um material e aí, ao conversar com uma família que estava na rua, a história era maravilhosa. Eu falei: posso fazer uma foto do senhor e da sua esposa? Ela falou: “não, filho. Pelo amor de Deus. Porque a nossa família não sabe que a gente tá na rua. Eu sou faxineira de um prédio aqui na rua de baixo. Meu marido é zelador, porteiro num prédio ali na outra rua. Se eles souberem que a gente vive na rua. Eles vão demitir a gente.


Eles moravam na Grande São Paulo e a grana que eles tinham de vale transporte não dava para ir e voltar todo dia, então eles ficavam na rua. Aí eu lembro do repórter extremamente inteligente - foi muito bacana - dizer: pô, que pena, a gente perdeu a melhor história. Ele não forçou, ele entendeu


E essa é a questão da responsabilidade. Eu não posso roubar uma foto, expor uma pessoa pra ganhar prêmio. Para ir para a primeira página, para ganhar likes, para satisfazer o ego. Porque tudo isso é bom. Então deixa o ego em casa. Não precisa chegar com os dois pés na porta, eu não preciso chegar clicando e contando história.


É o momento de ser respeitoso consigo, com o próximo e com a sociedade. Basicamente é isso. Mas como futuro do fotojornalismo, eu sou otimista. Eu sempre fui otimista. Eu acho que só vai melhorar. Eu acho que é isso. Está a separar quem é um fornecedor de imagem para o dia a dia e quem é um jornalista visual.


E os espaços para essas histórias visuais, eles nunca se calam. Em alguns momentos eles ficam mais difíceis aqui, melhor acolá. Então fácil essa profissão nunca foi, mas ela tem caminhos que podem ser facilitadores.


Quando você fala: ‘vários jornais tinham 30 fotógrafos’. Sim, mas para vender uma foto em Nova Iorque, na Alemanha, tinha que ter um agente lá.


Hoje a tecnologia faz com que eu possa vender uma foto dormindo para a Tailândia. Hoje é muito mais fácil o contato com os editores de agências, de jornais do mundo todo através da tecnologia.


Então eu vejo como um momento de grande transformação no mundo do jornalismo e do fotojornalismo, mas muito também do modo de produção. Eu acho que desde a Revolução Industrial a gente não passa por uma revolução tão forte como a que a gente vem a vivenciar nessa virada de século, da estrutura de produção, da força de trabalho.


É como eu já disse: nós somos trabalhadores, temos um ofício. Este ofício passa por uma transformação brutal, também muito radical. Mas isso para mim não é o fim, muito pelo contrário, é um novo começo.


E eu vejo como um começo de caminhos muito interessantes, até porque tem uma garotada jovem aí a produzir coisas incríveis.


Henry Milleo

E até porque é um recomeço com a bagagem do que já passou, então você não está começando do zero, você está partindo de uma plataforma um pouco mais alta.


Mas enfim, a gente já falou por um bom tempo aqui, então eu queria te agradecer de novo pela participação. Vamos marcar outras conversas para falar de alguns assuntos específicos que já começaram a me cutucar na cabeça depois desse nosso papo.


Então é isso, muito obrigado, as portas aqui… os microfones do podcast estão sempre abertos para o pessoal aí da ARFOC. Eu sei que tem outros diretores e o pessoal que é especialista, cada um num campo. Provavelmente eu vou encher o saco de vocês de novo para conseguir mais alguns bate papos com alguns outros profissionais específicos.


E é isso. Muito obrigado mesmo por participar aqui.


Toni Pires

Eu é que agradeço o convite, em nome da ARFOC. Também agradeço a confiança por abrir espaço para a gente falar um pouco do nosso trabalho. Foi extremamente gratificante. Voou tempo aqui nesse nosso bate papo.Conte comigo, conte com o pessoal da ARFOC daqui e parabens pelo seu trabalho.


Que esses microfones continuem abertos, continue a contar histórias. Eu acho que é muito importante, nesse momento em que estamos, esse debate saudável, essa troca de ideias, de informações. Para mim foi um prazer, uma honra. Te agradeço muito o convite e estou doido pra ouvir o produto final.


Henry Milleo

Valeu mesmo! Eu aviso quando entrar no ar.


Toni Pires

Perfeito, Perfeito!


<SOBE MÚSICA

DESCE MÚSICA>


E é isso pessoal, muito obrigado por acompanhar esse bate papo com o Toni Pires.

Eu sei que foi mais longo que o tradicional dos nossos episódios, mas foi necessário porque é uma discussão importante.


Você pode deixar também a sua opinião sobre esse assunto mandando uma mensagem para a gente lá no Instagram, ou lá no nosso blog.


Eu vou deixar na descrição desse episódio o Instagram da ARFOC São Paulo para vocês seguirem também, porque sempre rola umas coisas bem bacanas por lá.


Então, me despedindo, eu peço para vocês deixarem aí a sua indicação de tema para o próximo episódio, para seguir o Arquivo Raw no Instagram e pra me seguir também lá no Instagram, que é @henrymilleoa.


E se vocês estão gostando do Arquivo, Raw, classifica a gente aí no tocador de podcast de vocês, ok?


Esse episódio usou trilha do podcast.co. Até a próxima semana, fiquem bem. Ciao!


<SOBE MÚSICA

FADE OUT

ENCERRA>



Comments


bottom of page