Uma exposição de fotografias é como caminhar pelas páginas de um livro. É preciso ter um tema definido, uma história e uma narrativa.
Para falar sobre o assunto eu visitei a exposição do fotógrafo Evandro Teixeira, no Instituto Moreira Sales.
Roteiro
Temporada: 003
Episódio: 007
Gravação: Henry Milleo
Locução: Henry Milleo
<FADE IN
ENTRA SOM AMBIENTE
SOM DESCE>
Esse som que você está ouvindo ao fundo é o som ambiente da Galeria 1 do Instituto Moreira Sales, em São Paulo, onde está a exposição Chile, 1973, do fotógrafo Evandro Teixeira.
<SOBE SOM
DESCE SOM>
E aqui eu quero fazer um primeiro parêntesis para dizer que se você é fotógrafo ou interessado em fotografia e ainda não conhece o Instituto Moreira Sales, você precisa salvar uma data em sua agenda para ir lá conhecer. O IMS tem um dos maiores acervos de fotografia da América Latina, sempre estão rolando várias exposições interessantes por lá, além de ter uma biblioteca de livros de fotografia gigantesca (muitos deles raros e difíceis de encontrar em outro lugar), que você pode consultar e pesquisar e, se não bastasse, tanto a entrada para as exposições quanto o acesso à biblioteca são de graça.
Só não recomendo tomar café lá que é muito caro. Mas de resto vale muito a pena.
Mas, fechando o parênteses e voltando ao tema:
A exposição traz o trabalho que o Evandro fez para o Jornal do Brasil, em Santiago, nos primeiros dias após o golpe militar no Chile (logo após o dia 11 de setembro de 73) e é um trabalho que mostra uma cidade sitiada, ocupada pelas forças militares.
Mas a linha mestra, a espinha dorsal da cobertura, que ele fez lá, foi o registro da morte do poeta Pablo Neruda, desde a clínica onde ele estava internado e onde faleceu, até o enterro que teve uma enorme participação popular – com a primeira grande manifestação contra o regime do general Augusto Pinochet –, passando pelo velório na casa do poeta que foi depredada pelos militares durante os primeiros dias do golpe.
E a construção da exposição traz exatamente isso. Uma narrativa que cria um plano sequência a partir do enterro do Neruda, associado às demais imagens que ele fez na cidade (e algumas fotos incluídas do regime militar no Brasil, para contextualizar o cenário político na América Latina naquele momento).
Mas, há uma separação nas fotos. A parte da cobertura no Brasil ocupa a primeira metade da galeria, finalizando com uma ampliação gigante de uma foto da passeata dos 100 mil, enquanto o Chile – que tem um número maior de fotos – toma o resto do salão.
E é aqui que eu quero chegar nesse episódio. A forma como uma exposição de fotografia pode criar uma narrativa visual potente através de um recorte muito específico de um assunto que não é simples, que é gigantesco em se tratando da quantidade de informações que ele tem e que poderia render inúmeras abordagens diferentes.
Mas, antes de começar – apesar de eu já ter começado – vamos aos nossos recados.
Como de praxe eu quero pedir para você seguir o Arquivo Raw lá no instagram, que é @arquivo_raw. Para deixar dicas de temas para os próximos episódios e para compartilhar o podcast com os amigos e conhecidos que você sabe que se interessam por fotografia.
E também pedir para – se possível – você ouvir o podcast lá na Orelo, que é orelo.cc/arquivoraw. A Orelo remunera os produtores de conteúdo a episódio ouvido lá na plataforma deles. Não é muito, é coisa de centavos, mas no final já ajuda a manter isso aqui no ar.
E, se quiser ajudar de forma mais direta, você também pode fazer um pix com qualquer quantia para a chave que está aqui na descrição desse episódio.
Dito isso, vamos ao episódio.
<ENCERRA SOM E ENTRA VINHETA
ENCERRA VINHETA E ENTRA MÚSICA>
Bem, pessoal. Eu sou o Henry Milleo, fotógrafo e editor de fotografia e esse aqui é o Arquivo Raw, um podcast para falar justamente de fotografia.
E o tema de hoje - como vocês já perceberam – é exposição de fotografia. Mas, para criar aqui esse roteiro eu resolvi usar essa visita que eu fiz ao IMS para ver a exposição do Evandro Teixeira, para abordar esse assunto.
Sempre que eu posso eu vou em exposições de fotografia. Seja de fotógrafos famosos em museus ou galerias, seja de fotógrafos locais, mais ou menos conhecidos. Eu gosto de caminhar no salão, de observar as fotos individualmente e como conjunto. É quase como se eu estivesse dentro de um livro de fotos. Mas eu gosto de perceber, além das fotos, a narrativa que foi construída para mostrar o trabalho e imaginar cada etapa dessa tarefa.
Como foi definido o objetivo, como foi definido o tema. Como foi feita a seleção das imagens. Como foi criado o sequenciamento e a disposição no ambiente… Esses passos básicos para contar uma história visual.
No caso da exposição do Evandro Teixeira – como eu já disse no início – a base da construção foi o enterro do Neruda como recorte emblemático do golpe militar chileno. Então você tem essa história como guia, como se fosse o representante da violência daquele momento, permeada por fotos da cidade e da população sobre a repressão do governo Pinochet.
Ela começa com a imagem do corpo do Neruda coberto por um lençol em um corredor da clínica onde ele estava e ao lado tem outra foto do corpo sendo retirado de lá e colocado em um carro fúnebre para ser levado para a La Chascona, que era a casa onde ele morava em Santiago, depois passa para o velório na casa, que estava depredada, com papéis espalhados por todo o lado, mostrando que o lugar foi revirado pelos militares, traz a visita de amigos e da população, passa para a retirada do corpo dele da casa, tendo que ser carregado por cima de umas tábuas que foram usadas para passar pelo alagamento que já tomava conta do lugar porque o exército represou um rio que corre ao lado da casa para que a água invadisse o lugar, segue com o cortejo do caixão, passa pela chegada ao cemitério, o discurso de personalidades na hora do sepultamento e finaliza com o enterro.
Mas também há uma linha temporal paralela, que mostra os militares nas ruas, o enterro e a prisão de outras pessoas, tanques de guerra, soldados, o estádio Nacional do Chile, para onde presos políticos eram levados, manifestações da população… Todo esse cotidiano que mostra o ambiente do país. É como se você estivesse focado em um acontecimento, observando uma história, e pudesse também contemplar o que acontece ao redor. É como olhar uma foto e também perceber o cenário ao fundo.
Desse jeito, por mais que você pense que uma sequência de três fotos que não tem uma mudança muito grande de angulação ou enquadramento possa ser repetitiva, ela não fica repetitiva, porque cria pequenos instantes contínuos dentro da narrativa que corre nessa linha temporal paralela, que desaceleram a narrativa principal, dando espaço para – de tempos em tempos – o público perceber o redor e entender o contexto da história.
Para mim, particularmente, essa exposição teve um significado um pouco maior.
Porque faz um tempo eu estive em Santiago e visitei o Museu dos Direitos Humanos, que cuida do acervo de documentos, fotos, vídeos e áudios da época da ditadura no país. E lá eu pude entender um pouco como foi esse período. Perceber um pouco do cenário daquela época.
E aqui eu faço o segundo parêntesis para dizer que se você tiver a oportunidade de visitar a capital chilena, vá ao museu dos direitos humanos. É um acervo muito rico, exposto de uma maneira muito bacana.
Depois eu fui até a La Chascona, que era a casa do Neruda. E lá, além do material histórico sobre a vida dele, também tinham algumas das fotos do enterro dele feitas pelo Evandro Teixeira.
Então essa exposição no Instituto Moreira Sales foi como juntar essas duas coisas. Fazer a ligação entre esses dois pontos. É como terminar de montar um quebra-cabeças. Lembram do episódio que eu falei da importância das referências para um fotógrafo? Então. Essas visitas anteriores me ajudaram a perceber melhor esse trabalho.
Mas esse é um assunto que rende muita conversa, então vou deixar para um outro episódio e finalizar aqui com algumas considerações sobre exposição de fotografia.
Primeiro que uma exposição pode ser montada a partir de um tema central, pode ser um período ou o recorte de um trabalho maior, como essa do Evandro Teixeira que eu tratei aqui nesse episódio, mas também pode ser sustentada em pequenas séries, ou em parte de um projeto, ou no apanhado de um período longo de trabalho, trazendo uma mostra do que foi a carreira do fotógrafo, como a gente vê nas mostras de fotógrafos famosos.
Segundo que é preciso ter um objetivo para criar uma exposição.
Pode ser o início de um trabalho, para mostrar o desenvolvimento de um projeto - o que é mais raro, mas acontece - visando, inclusive, arrecadar patrocínio para dar continuidade nele.
Pode ser também a conclusão de algo. O ponto final de um projeto desenvolvido por um período de tempo, seja ele de longo, médio ou curto. Assim a exposição seria o produto final desse trabalho.
Terceiro que é o material agregado à materialização de um projeto. Uma exposição para o lançamento de um livro, por exemplo. Ou a vitrine para chamar atenção para uma questão social, ou política, ou cultural da qual o projeto foi desenvolvido.
E último, que pode ser um retorno comercial de algo. Uma forma de situar seu nome no cenário da fotografia, ou de vitrine para o seu trabalho fotográfico.
De qualquer forma e seja qual for o motivo, uma exposição de fotografia deve ser bem pensada, bem planejada e bem executada desde a decisão de construir até o espaço onde vai ser feita, passando pela seleção das imagens, a construção da narrativa visual, o suporte que será usado e todos os pormenores envolvido, que não são poucos.
Então, se você fotógrafo ainda não pensou em fazer uma exposição, coloque isso no seu radar, mas não faça de qualquer jeito.
Afinal, é seu trabalho que está ali sujeito ao público.
<SOBE MÚSICA
DESCE MÚSICA>
E é isso, pessoal. Espero que vocês tenham curtido esse episódio.
Reforço aqui para que você visite o Instituto Moreira Sales quando tiver uma oportunidade.
Aliás, também estava acontecendo lá a exposição: Papel, tinta e chumbo, com 12 fotolivros que abordam ditaduras na América Latina e que está bem bacana também.
E me sigam também no Instagram, que é @henrymilleo.
Esse episódio usou áudio da exposição Chile, 1973, do Instituto Moreira Sales e trilha do podcast.co.
E eu quero agradecer aqui à jornalista Carolina Mainardes e ao fotógrafo André Rodrigues, que ajudaram no desenvolvimento deste roteiro.
E um agradecimento especial ao IMS, através da sua assessoria de comunicação, pela gentileza em permitir que eu gravasse minhas impressões durante a minha visita à exposição.
Fiquem bem, até a próxima. Ciao.
<SOBE MÚSICA
FADE OUT
ENCERRA>
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